Título: Sem Fidel, Cuba acena aos EUA
Autor: Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 27/07/2007, O Mundo, p. 30

Comandante não aparece em cerimônia da revolução e Raúl faz autocrítica de momento difícil.

A comemoração da segunda data mais importante do calendário cubano, a festa da Revolução Nacional, ocorrida ontem, foi também a vitrine da Cuba que há exatamente um ano não vê seu comandante-em-chefe Fidel Castro discursar: um país que reconhece o momento delicado pelo qual passa, mas que se esforça para manter a normalidade interna e dar sinais de continuidade no alto comando. Do alto da tribuna de honra, o presidente interino Raúl Castro mandou um recado aos Estados Unidos, dizendo que está disposto a retomar o diálogo com o futuro presidente americano, reconheceu que seu país passa por "momentos difíceis" e que "são necessárias reestruturações", mas reafirmou que não pensa em transição e que "a revolução resistirá".

- Se as novas autoridades americanas desejarem acabar com a prepotência e decidirem conversar de modo civilizado, sejam bem-vindas. Se não for assim, estamos dispostos a continuar enfrentando sua política durante outros 50 anos, se for necessário. Não haverá transição, nem paralisia. Ambos são sonhos tresloucados dos inimigos da Revolução - disse o presidente a milhares de pessoas na Praça da Revolução, na cidade de Camagüey, ao mesmo tempo em que oferecia um ramo de oliveira aos Estados Unidos, em sinal de diálogo.

Se no plano político a idéia é mostrar continuidade, na economia os sinais de que mudanças devem acontecer começam a aparecer. Raúl reconheceu que serão necessárias alterações "estruturais e conceituais" da economia e que "há falhas no modelo produtivo", frase que muitos analistas interpretam como uma possível abertura ao estilo chinês, país cada vez mais presente na vida dos cubanos e cujo modelo tem a simpatia de Raúl.

- Mas que ninguém espere mudanças drásticas - enfatizou.

Washington recusa oferta de diálogo

A ausência de Fidel era esperada. Mesmo assim, foi interpretada por muitos como mais um sinal de que o líder ainda está muito debilitado e sem condições de voltar ao poder. Essa foi a primeira vez em 48 anos que ele não aparece na cerimônia que lembra o fracassado assalto ao quartel de La Moncada, a primeira ação rebelde que resultou no triunfo da revolução em 1959. O presidente começou a se sentir mal logo após o discurso do ano passado.

- Trata-se de uma ocasião de muita importância para o governo. Se Fidel estivesse em condições de voltar, certamente apareceria de forma triunfal na cerimônia. Como o governo sabia que isso não ia acontecer, fez da festa um balão de ensaio para o futuro, dando mais um grande sinal de que pretende deixar tudo como está no campo político, mesmo sem o comandante. Sabemos que nada mudou no país no último ano, mas que a palavra transição chegou para ficar, isso é fato, apesar da influência que Fidel ainda exerce - disse por telefone um professor de história da Universidade de Havana, que não é identificado por questões de segurança.

Para a população, realmente pouca coisa mudou desde a transferência da Presidência. E economia continua crescendo, graças ao que o governo chama de revolução energética, apoiada pelo governo do venezuelano Hugo Chávez, mas a infra-estrutura do país, principalmente os transportes, continua em situação precária.

- De um ano para cá, a única coisa que mudou é que ficou um pouco mais fácil importar um aparelho de DVD. O custo de vida continua caro demais, o transporte público é horrível e nas ruas tudo continua como antes. O povo mistura apatia e medo. Nem parece que Fidel não está mais no poder. Até porque ele vive aparecendo nos jornais e na TV - disse uma artista plástica que vende amendoim nos pontos turísticos de Havana para aumentar a renda.

Para Washington, a frustração de que pouco mudou em Cuba também é notória. Numa resposta ao gesto de Raúl de oferecer aos EUA um convite ao diálogo, o porta-voz do departamento de Estado americano, Sean McCormack, foi enfático:

- O governo de Cuba necessita dialogar é com o povo cubano. Infelizmente, não há diálogo em Cuba neste momento.

Com agências internacionais