Título: Desafio maior
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 29/07/2007, O Globo, p. 2

Vai se confirmando que um Jobim no ministério pode ter serventias várias, além de enfrentar o caos aéreo. Em poucas horas, no cargo ele conseguiu até baixar o grasnir tucano, evocando as identidades e a amizade com José Serra ou cobrando alguma união na adversidade. Mas, seu desafio maior, embora não imediato, será concluir a institucionalização do Ministério da Defesa, esta obra inacabada. Ou então, na avaliação do cientista político Sergio Abranches, da SDA Consultoria, administrar a desistência da idéia.

Nem no governo de Fernando Henrique, que o criou, nem no de Lula, o Ministério da Defesa tornou-se o que deveria ser: a autoridade do poder civil sobre as Forças Armadas, capaz de chefiá-las e definir a política de defesa nacional. Na Argentina e na vizinhança, a implementação da pasta teve mais êxito. Aqui, na prática, os comandantes das três forças continuam agindo como ministros. O ministro da Defesa é civil, mas os militares ocupam todos os postos e assessorias. Nunca aceitaram, de fato, a subordinação. O ministro que esteve mais perto de se impor foi José Viegas, que acabou trombando com o então comandante do Exército, general Albuquerque, quando o Ciex emitiu aquela nota inadequada em defesa do regime militar, ante a difusão de fotos que seriam de Wladimir Herzog no porão da tortura. Lula fraquejou, cedeu e afastou Viegas.

A gestão de Jobim, na avaliação de Sergio Abranches, será demarcadora. Ou a pasta se institui, ou ficará claro que a experiência não tem futuro. O problema aéreo é complicado mas pode ser resolvido, é "tratável", diz ele. Mais complicado será enfrentar a resistência dos militares ao Ministério da Defesa.

- Os oficiais militares não reconhecem a autoridade do ministro da Defesa. Reconhecem apenas a autoridade do presidente, comandante-em-chefe constitucional das Forças Armadas, e dos comandantes militares das três forças. A criação do ministério ficou inconclusa. Ele não se institucionalizou. Até hoje, não houve um ministro que se impusesse aos militares. Para fazer isso, o primeiro requisito é ter visão clara e profissional da concepção contemporânea de defesa e segurança nacional.

Jobim, ele acha, tem os atributos para a tarefa: a personalidade adequada, a força política necessária e o preparo intelectual. Não é um especialista, mas uma visão moderna de defesa é algo que se aprende lendo e escolhendo assessores tecnicamente competentes, sejam militares, diplomáticos ou acadêmicos, diz Abranches. Para se impor, um ministro civil precisará saber confrontar-se com os militares no campo deles, discutindo uma política de defesa moderna, combatendo as visões ultrapassadas, mas ainda vigentes na oficialidade.

- Se o ministro souber liderar o debate sobre uma nova política de defesa e segurança nacional, e conseguir dar-lhe substância orçamentária, pode ser bem sucedido na tarefa de institucionalizar o Ministério da Defesa. Com idéias contemporâneas e recursos garantidos para implementá-las, poderá cooptar as melhores cabeças das Forças Armadas e estabelecer, pela primeira vez, uma aliança civil-militar, em favor da modernização, do aparelhamento e fortalecimento da área de defesa e segurança nacional.

Ele concorda que é estreita a margem fiscal para atender à demanda dos militares por investimentos em aparelhamento e modernização das Forças Armadas. A boa vontade deles será proporcional à capacidade do ministro de assegurar recursos.

A personalidade forte de Jobim, se favorece a afirmação, não pode também criar conflitos? Pode, diz Abrantes. E pode explicitar, pela gravidade ou natureza, que estamos diante de uma "situação intratável". Entenda-se por intratáveis aquelas que fogem a todas as soluções convencionais. Se isso acontecer com um ministro como Jobim, se sua passagem pelo cargo reduzir-se ao trato da crise aérea, estará claro que a tendência do Ministério da Defesa é desaparecer, acha o analista.

Se não um retrocesso, seria pelo menos um sinal de que nossa democracia recusa a maturidade plena.