Título: Ditas autônomas, agências são aparelhadas
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 29/07/2007, O País, p. 15

Autarquias também enfrentam pressão e até têm decisões atropeladas por integrantes do governo.

BRASÍLIA. A pouca habilidade da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) diante de um setor que vem sendo protagonista de episódios trágicos pode ser considerada um reflexo de como o governo lida com as agências reguladoras. Nascidas originalmente para normatizar, com independência e autonomia, importantes setores do país - como telecomunicações, petróleo e gás, e energia elétrica -, elas não têm conseguido se livrar da pressão do Executivo. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deu sinais de nunca ter sido um fã dessas autarquias, e de que preferiria ter o poder decisório em suas mãos.

A influência política é quase uma constante nas agências. Um exemplo recente foi a venda da VarigLog para o fundo de investimento americano Matlin Patterson, imposta pela Casa Civil - sob o comando da ministra Dilma Rousseff - à Anac. Dentro da agência, havia dúvidas por causa de indícios de participação de investidores estrangeiros acima do permitido pela lei (de 20% do capital de uma empresa aérea brasileira).

Governo atropelou projeto da Anatel no ano passado

Nas telecomunicações, também há casos: em 2006, enquanto a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) se preparava para lançar um telefone popular, o ministro Hélio Costa (PMDB-MG) atropelou o processo e anunciou que o governo também ofereceria um serviço semelhante. Após meses de discussões, prevaleceu, no fim, o projeto da autarquia (o Aice).

Além de interferências nas decisões, o governo costuma lotear as agências para acomodar indicações de aliados. Segundo fontes ligadas ao assunto, isso ocorreu sobretudo quando José Dirceu era ministro da Casa Civil. Até seus assessores de segundo e terceiro escalões deixavam presidentes das agências esperando horas por audiências e, em algumas vezes, eles nem eram atendidos. O tratamento, segundo membros do governo, mudou um pouco quando Dilma assumiu a pasta.

A ministra, hoje braço direito de Lula, entende que as agências têm a função de fiscalizar, regular e arbitrar seus setores, levando em conta o equilíbrio entre as empresas, os consumidores e o Estado. O poder de concessão de serviços, no entanto, ela defende que fique com o governo, posição criticada por parte do setor produtivo. Apesar dessa postura, a ministra não consegue blindar todas as agências e, no caso da Anac, parece até estar arrependida.

Por indicação sua, Milton Zuanazzi assumiu como diretor-presidente da agência, e a idéia era de que ele seria uma espécie de "extensão" de Dilma. A ministra, porém, também deu o aval para a nomeação de Denise Abreu como diretora da Anac, afilhada política de Dirceu e conhecida pelo temperamento difícil. Constantemente, Denise entra em conflito com o próprio Zuanazzi, que, segundo pessoas próximas, não consegue tomar de fato as rédeas da agência.

Anac também foi fatiada por aliados de Lula

Dilma, por conta disso, tem feito cobranças a seu indicado e, ao mesmo tempo, demonstra remorso de ter posto Denise na agência, que tem pouco mais de um ano de vida e já enfrentou problemas como os acidentes com os aviões da Gol e da TAM, em que morreram mais de 350 pessoas. A Anac também foi fatiada pelos aliados políticos do presidente Lula. Para o PMDB, ficou a vaga de Leur Lomanto; para os militares, a de Jorge Velozo. Na Agência Nacional do Petróleo (ANP), o quadro não é diferente: o diretor-geral, o ex-deputado Haroldo Lima, é da cota do PCdoB, do qual chegou até a ser membro da executiva.

Na Anatel, o PDT, como cota do deputado Miro Teixeira, tem uma diretoria e apenas um é da época do governo Fernando Henrique, que, no fim de 2002, indicou José Leite Pereira para a agência. Na Aneel, apesar de todos os diretores serem técnicos do setor e com o diretor-presidente, Jerson Kelman, também já tendo trabalhado no governo tucano, a blindagem se deve à ação da ministra Dilma. Mas há o cuidado lá de, apesar dos contingenciamentos de orçamento, não se pedir mais dinheiro para não correr o risco de ter de ceder às pressões políticas.

COLABOROU Cristiane Jungblut