Título: O preço salgado da segurança
Autor: Bottari, Elenilce
Fonte: O Globo, 29/07/2007, Rio, p. 18

Tranqüilidade experimentada no Pan custa caro e governo tenta fechar as contas.

Apontada, em pesquisa da Fecomércio, como o ponto mais alto do Pan, a segurança pública do Rio sofreu uma guinada nas últimas duas semanas com quedas de até 60% nos índices criminais da cidade. Mas a sensação de tranqüilidade que alegrou o Rio custa caro. Só a União desembolsou R$562 milhões, quase o dobro da verba que a Secretaria Nacional de Segurança Pública tem para gastar com os 26 estados por ano. O legado que ficará na cidade, garante o secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa, é da ordem de R$400 milhões. Mas a principal atração do evento, o aumento do efetivo na capital em 80%, este, ficará na saudade. Para repor os quatro mil homens que reforçaram o policiamento da capital neste período - se fosse possível contratar sem concursar e treinar - o estado impactaria sua folha de pagamentos em cerca de R$60 milhões. Isto sem levar em consideração qualquer encargo. Um preço alto demais mesmo para um estado que só este ano vai gastar R$4,266 bilhões em segurança.

Ao contrário do que muitos pensam, dos três estados com as maiores economias do país, o Rio é o que mais gasta com a segurança pública. Segundo pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas com base nos dados Tesouro Nacional, em 2005 o Rio gastou R$239,83 por habitante, contra R$171,72 gastos por Minas Gerais e outros R$153,81 gastos por São Paulo. Se depender de vontade política, o governador Sérgio Cabral garante que a paz não tem preço e que, até o fim de seu governo, conseguirá chegar à equação ideal:

- O foco do meu governo na segurança pública será máximo. Aliás, essencialmente, no nosso conceito de governo, vale a frase dita pelo ex-primeiro-ministro Tony Blair: segurança é a primeira das liberdades. Portanto, como governador do estado, o meu compromisso é assegurá-la a toda a sociedade. Esse objetivo será perseguido por mim e por minha equipe, de forma incansável, até o último dia de governo.

Mudanças na frota e nos horários da PM

Mas o governo também sabe que a solução do problema está longe de ser simples. Se fosse uma prova de matemática, o enunciado da questão poderia ser este:

O policial militar deixa o serviço às 7h, depois de trabalhar 24 horas, e passará os próximos três dias correndo atrás de dinheiro em bicos de risco para esticar o salário de R$1.100 (valor médio). Já seu empregador, o estado, vai gastar só este ano pouco mais de R$2 bilhões para pagar seus 50 mil policiais entre civis e militares, pressionado entre as ameaças de greve da categoria e o ajuste fiscal. Situação ainda pior é a do cliente, o contribuinte, que paga quase 40% de seus ganhos em impostos e, só no ano passado, sofreu 46.340 assaltos. Ou seja: pagou mas, não recebeu o produto.

A equação da segurança pública do Rio, que já era complicada, ganhou um efeito multiplicador com o advento do Pan. A população pôde experimentar uma tranqüilidade que perdeu há pelo menos 15 anos; o policial, por sua vez, mostrou que seu serviço é essencial e que merece ganhar mais; e o estado, que ganhou R$400 milhões em equipamentos, herdou também o custo desta manutenção e só este ano está contratando mais dois mil policiais. Sem a mágica de Malba Tahan (personagem árabe criado pelo professor Júlio César de Mello, que resolvia problemas com truques matemáticos), o governo tem agora três anos e meio para resolver a aritmética da segurança.

Um dos responsáveis por se chegar à conta ideal é o secretário de Fazenda, Joaquim Levy. A partir da auditoria que está sendo realizada pelo Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), ele tem a tarefa de enxugar e organizar os gastos para garantir recursos para as prioridades que estão sendo apuradas pela Secretaria de Segurança:

- De tempos em tempos, o estado precisa realizar concursos para repor o efetivo. Tem custo? Tem. Mas é necessário. Está dentro das prioridades e capacidade do estado. A estratégia do governo é priorizações e gestão para que possamos ter o máximo retorno dos recursos - explicou Joaquim Levy.

Entre as propostas de mudança, está a redução da frota de veículos das corporações:

- Por exemplo: vamos diminuir o número absoluto de automóveis, mas pretendemos ter mais carros rodando. Porque não adianta ter uma frota de três mil veículos que está constantemente sendo canibalizada por falta de manutenção eficiente. Vamos contratar uma empresa responsável pela manutenção dos carros do Pan por três anos, que é o tempo de vida útil razoável para um carro de polícia. Depois vamos construir um projeto de renovação da frota, mais adequado às necessidades do estado. Esta é a diretriz do governador.

Segundo o secretário, entre os pontos principais a serem atacados pelo estado estão o reequilíbrio dos quantitativos do efetivo na capital e nos municípios e a mudança estrutural na carga horária da Polícia Militar:

- O governador tem apontado um desequilíbrio que existe entre o número de policiais da capital e o número total de PMs. Tem que encontrar um mecanismo para reequilibrar isto. Na região metropolitana, em todos os países do mundo, o policiamento é maior.

Segundo Joaquim Levy, a situação mais delicada é a carga horária do policial militar. O turno é de 24 horas de trabalho por 72 horas de folga:

- Esse regime de trabalho é um impedimento para aumentar a produtividade do policial. E produtividade é igual a salário. Esta é a situação mais complexa. Tem que ser encontrada uma solução para que o policial possa ser usado de uma forma mais eficaz e que possa também receber melhor e não precisar viver de bico - explicou.

Joaquim Levy lembrou que no início do governo Sérgio Cabral chegou a articular um convênio com o prefeito Cesar Maia para que a prefeitura pagasse um suplemento ao policial militar, mas o acordo acabou não vingando:

- Se o policial trabalhasse em turnos de oito horas, ele poderia ser mais bem aproveitado, porque ninguém consegue trabalhar 24 horas seguidas com eficiência. E ele também ganharia mais porque o estado não precisaria contratar mais gente para fazer o mesmo serviço. E ganharia também a população, que teria o produto segurança melhor. E o estado existe para prestar serviço, e não para dar emprego.

Segundo Levy, os primeiros levantamentos do INDG mostraram ainda que, se a situação do policial militar é ruim, os salários dos policiais civis do Rio estão entre os mais altos do país. O estado também é o que mais gasta com segurança na Região Sudeste.