Título: Ponto de ebulição
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 01/08/2007, O Globo, p. 2

O Congresso retoma seus trabalhos hoje com a conjuntura política sensivelmente alterada pelo acidente com a avião da TAM, o elevado número de 199 mortos, o agravamento do apagão aéreo e os sinais de abalo na aprovação ao governo e na popularidade do presidente Lula, que, ontem, voltou a ouvir ensaios de vaia. O governo está retomando a ofensiva, depois de ter sido posto a pique pela crise. Mas terá de mostrar serviço, afagar os aliados e buscar diálogo com a oposição para evitar fervuras no Congresso.

Vaiar é o esporte da hora. Depois que as vaias ao presidente Lula no Maracanã foram louvadas como sinal saudável de sabedoria ou irreverência dos cariocas, a massa que foi ao estádio para o encerramento do PAN vaiou os atletas estrangeiros que se destacaram como adversários do Brasil. Muito feio, e, pior ainda, porque foram estimuladas pelo desportista Robson Caetano, que mereceu a censura de Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB. No domingo, os aviões que sobrevoavam Congonhas foram vaiados pelos participantes da marcha dos paulistas, de solidariedade às famílias das vítimas e de protesto contra o governo. As vaias continuaram perseguindo Lula, embora puxadas por grupos isoladas, que não encontram a receptividade e o combustível disponíveis no Maracanã. Elas já o surpreenderam em duas capitais do Nordeste e ontem em Cuiabá. E ele passou recibo:

- A gente tem duas orelhas, uma para escutar vaia e outra para escutar aplauso. Os que estão vaiando eram os que deveriam estar aplaudindo. Os que estão vaiando, posso garantir, foram os que mais ganharam dinheiro neste país, no meu governo. Aliás, a parte mais pobre é que deveria estar mais zangada, porque teve menos do que eles tiveram.

Mas as vaias não vieram de banqueiros e empresários, como sugere Lula, e sim da sensível classe média. Com a diferença de que, no caso do Nordeste e de Cuiabá, foram insufladas por grupos de esquerda, como o PSOL e o PSTU.

Mas voltemos ao Congresso que reabre hoje. A oposição já avisou que volta para um duelo. Que no Senado vai reabrir baterias contra Renan Calheiros e, na Câmara, vai dificultar o cumprimento da agenda do governo. Já a base governista volta insatisfeita com o atraso nas nomeações, problema que afeta sobretudo o PMDB. O governo promete afagos nesta área e na liberação de emendas. Mas os sinais de desgaste, que as vaias apenas insinuam, costumam ter efeito sobre aqueles setores menos fiéis de toda coalizão. Quando a rua avisa que um governante está perdendo popularidade, estes aliados de ocasião costumam ficar de pé atrás. Eles existem na base de Lula, existiam na coalizão de FH e de outros. Tudo isso somado, temos um ambiente de fervura nas bancadas e uma conjuntura adversa a um governo que precisa aprovar medidas importantes e difíceis, como a prorrogação da DRU e da CPMF.