Título: Será que pode?
Autor: Krieger, Gustavo
Fonte: Correio Braziliense, 10/03/2009, Política - Nas Entrelinhas, p. 04

Dilma está ou não fazendo campanha eleitoral? A resposta depende da opinião política de cada um

Há alguns dias, DEM e PSDB entraram com ação na Justiça Eleitoral, pedindo uma definição: afinal, o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, vêm fazendo é ou não campanha eleitoral? À primeira vista, pode parecer apenas um gesto político, desses encenados diariamente por governo ou oposição para chamar a atenção da mídia. Mas é bem mais importante. É fundamental que a Justiça Eleitoral defina as regras do jogo com antecedência. Até porque os parlamentares, a quem caberia legislar sobre o assunto, não costumam ser nem rápidos nem muito claros nessas definições.

O país tem acompanhado a sequência de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o destino de governadores eleitos em 2006 sob suspeita de irregularidades. Cássio Cunha Lima (PSDB), da Paraíba, teve seu mandato cassado. Jackson Lago (PDT), do Maranhão, encaminha-se para ter o mesmo destino nos próximos dias. Outros governadores esperam julgamento, como Luiz Henrique (PMDB), de Santa Catarina, ou Marcelo Deda (PT), de Sergipe. Nenhum deles esconde a preocupação. A Justiça vem sendo dura no exame dos casos.

É absolutamente saudável que a Justiça aja com severidade. Se alguém foi eleito fraudando as regras do jogo, é correto que perca o mandato. Mas os casos apresentam alguns efeitos colaterais preocupantes. São processos longos, que se arrastam por anos. De um lado, o Estado vive uma situação de total insegurança jurídica durante os processos. Ninguém sabe quais os atos de governo serão mantidos e quais poderão ser anulados. De outro, enquanto os julgamentos não acontecem, governantes potencialmente ilegítimos continuam nos cargos.

Imagine essa situação transportada para o governo federal. Que Dilma Rousseff vença as eleições, mas governe por um, dois anos, sob ameaça de um processo de cassação. As consequências para a economia e até para a segurança das instituições nacionais seriam inimagináveis.

Dilma está ou não fazendo campanha eleitoral? A resposta depende da opinião política de cada um. O governo jura que ela não está praticando nada além de sua obrigação: visitar obras e projetos, participando de inaugurações e lançamentos. A oposição reclama do ar de comício assumido por essas cerimônias de governo. Já escrevi nessa coluna a minha opinião: Dilma está governando e fazendo campanha ao mesmo tempo. Ela está desrespeitando as leis? Melhor fazer como o DEM e o PSDB e perguntar para a Justiça Eleitoral.

A legislação proíbe campanha fora do período reservado na lei eleitoral. Ele é definido antes de cada pleito, mas não ultrapassa os seis meses. Pois bem: o PSDB pensa em fazer prévias para definir seu candidato a presidente da República. Obviamente, essa consulta teria de ser feita bem antes da campanha oficial. Como fazer isso sem ferir a lei? O melhor, novamente, é perguntar a quem decide.

Essa insegurança é resultado de um problema crônico na política brasileira: a falta de regras claras, conhecidas. Produzimos uma nova lei eleitoral a cada pleito. Normalmente, de acordo com as conveniências de quem controla as maiores bancadas do Congresso.

A Justiça Eleitoral assumiu um papel regulador nessa barafunda. Já impôs a coerência entre as alianças nacionais e regionais (derrubada depois pelo Congresso), colocou limites para o troca-troca partidário e, agora, vem cassando os mandatos de quem abusou na campanha. Os políticos não gostam dessa interferência, que consideram abusiva. Embora comemorem quando a decisão judicial fulmina um adversário.

É claro que o objetivo de tucanos e democratas é mais comezinho. Querem, acima de tudo, amarrar as mãos de Dilma Rousseff. A candidata oficial, que continua se recusando a assumir a candidatura, beneficia-se da agenda montada pelo governo. Reportagem publicada no domingo pelo jornal O Globo registra que ela fez 30 viagens nos últimos 12 meses, com a justificativa de lançar obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Correndo livre, ela vem crescendo nas pesquisas em um ritmo inquietante para a oposição. Mas talvez eles acertem mais do que pensaram. E ajudem a criar um hábito saudável na política brasileira. O de perguntar se dá para fazer algo, em vez de fazer e torcer para não ser pego pela Justiça.