Título: Alerj aponta irregularidade no Bolsa Família
Autor: Vasconcellos, Fábio
Fonte: O Globo, 01/08/2007, Rio, p. 22

Comissão de Educação pede ao MP federal que investigue como 978 alunos da rede particular entraram no programa.

O principal programa de transferência de renda do governo federal, o Bolsa Família, é alvo de nova denúncia no Rio. Dados obtidos pela Comissão de Educação da Alerj no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome indicam que 978 alunos de escolas particulares, em três municípios, constam como beneficiários do programa que, em tese, deveria atender famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza. Na lista, há alunos matriculados em colégios com mensalidades que variam de R$395 a R$600. A prefeitura do Rio rebate a denúncia argumentando que os estudantes contemplados com a bolsa estão em situação de pobreza e freqüentam colégios particulares porque são bolsistas, ou seja, estão isentos de mensalidade.

Secretarias são responsáveis pelo cadastramento

Ontem, no entanto, O GLOBO confirmou com um funcionário de um colégio particular da Barra que atualmente não há qualquer estudante beneficiado pelo programa, embora a lista do governo indique a existência de oito alunos nessa situação. Há dois anos, apenas duas crianças recebiam a bolsa, mas deixaram a unidade. Os indícios de irregularidades levaram a Comissão de Educação a entrar hoje com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) pedindo que os procuradores investiguem as suspeitas.

O levantamento feito pelo gabinete do presidência da comissão descobriu que somente na capital há 333 alunos de 166 escolas recebendo o Bolsa Família. Em Duque de Caxias são 415 crianças. Pelas regras, as secretarias municipais de Assistência Social são as responsáveis pelo cadastramento das famílias.

Pagamento é suspenso em Niterói

Em Niterói, onde existem 230 estudantes de 57 colégios particulares recebendo o Bolsa Família, as suspeitas de irregularidades levaram a Secretaria de Assistência Social a suspender o pagamento da bolsa. Atualmente, há 20 mil inscritos no programa em Niterói, mas apenas 13 mil são beneficiados, já que os recursos são limitados.

- A lei não impede um aluno de escola particular de receber o Bolsa Família. Mas resolvemos suspender temporariamente os repasses para os estudantes dessas famílias até que um novo levantamento seja feito. Precisamos saber se realmente eles são de famílias em situação de extrema pobreza - afirmou Bárbara Toledo, secretária de Assistência Social.

O deputado estadual Comte Bittencourt (PPS), presidente da Comissão de Educação, explicou que decidiu apresentar o caso ao MPF após identificar estudantes que pagam mensalidade, ou seja, não são bolsistas, mas mesmo assim continuam recebendo o benefício. Além disso, o pai de um aluno, ao ser localizado pelo gabinete do deputado, afirmou desconhecer que o filho era beneficiário do programa federal.

- Queremos que o MP faça uma profunda investigação para saber se há distorções no programa Bolsa Família. Fizemos esse levantamento no Rio e em Niterói e identificamos esses casos, imagina no Brasil. É preciso saber como essas famílias com filhos em escolas particulares estão tendo acesso ao programa - disse Bittencourt.

Para ele, mesmo os casos de alunos que recebem bolsa integral das escolas precisam ser analisados. Na opinião do deputado, essas colégios têm custos indiretos de manutenção dos alunos, como material escolar e uniforme, e, portanto, é um peso no orçamento de qualquer família, principalmente para aquelas em extrema pobreza.

- Não somos contra o Bolsa Família. Estamos apenas cumprindo o nosso papel de fiscalizar a aplicação desses recursos que, em tese, podem não estar beneficiando quem de fato precisa desses recursos - explicou o presidente da Comissão de Educação.

O secretário municipal de Assistência Social do Rio, Marcelo Garcia, divergiu da avaliação do deputado e não vê indícios de irregularidades. Ele afirmou que o número de alunos da rede particular beneficiados pelo Bolsa Família é, na verdade, de 432 estudantes em 191 colégios. Garcia acrescentou que a maioria é de crianças e adolescentes que recebem bolsa integral das escolas.

O secretário acredita que há distorções nos 20% de bolsas que as escolas filantrópicas são obrigadas a respeitar. De acordo com ele, muitas unidades acabam contemplando alunos que não se enquadram na situação de pobreza extrema:

- Não há irregularidade. Temos centenas de alunos de escolas particulares nessa situação e esse número seria maior se as escolas filantrópicas priorizassem os 20% de bolsa para crianças em extrema pobreza. Se isso acontecesse, teríamos mais alunos de escolas particulares no Bolsa Família.

Meta é chegar a 160 mil famílias

Atualmente, na capital, 114 mil famílias são beneficiadas pelo Bolsa Família. A meta do governo federal é chegar a 160 mil. O secretário da Assistência Social explicou que ainda há 46 mil famílias fora do programa porque o critério de avaliação é rigoroso e demanda tempo.

O Bolsa Família é um programa de transferência de renda, que beneficia famílias em situação de pobreza. Ou seja, famílias com renda mensal por pessoa de R$60 a R$120, e também aquelas em extrema pobreza (renda mensal por pessoa de até R$60). Os valores pagos variam de R$18 a R$112. Entre as diversas condições para receber o benefício existe a de garantir que os estudantes freqüentem, no mínimo, 85% das aulas a cada mês, e as gestantes devem fazer o pré-natal.