Título: Outros focos
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 02/08/2007, O Globo, p. 2

As dolorosas revelações da caixa-preta do avião da TAM e o diálogo desesperado dos pilotos não autorizam conclusões definitivas, embora fortaleçam a hipótese de erro humano e reduzam ao mínimo a contribuição da pista de Congonhas para o desastre do dia 17. Mas a crise aérea existe, precede o acidente, e para ela muito contribuiu a atuação da Anac. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, promete uma vigorosa rediscussão do modelo, do papel e da função das agências reguladoras. A caixa-preta nos cobra também um foco mais forte sobre as condições operacionais das empresas. A elas, todos entregam a vida quando embarcam.

Começando pelas agências, Chinaglia acha que elas se tornaram verdadeiras caixas-pretas para os cidadãos/usuários, e que isso foi apenas mais explicitado pela ação (ou inação) da Anac. Desejando o debate aberto e franco, ele planeja para os próximos dias uma Comissão Geral (sessão do plenário com a participação de especialistas convidados), mas evita declarar-se contra ou a favor - pregar o fim das agências, como aproveitam para fazer alguns, ou considerá-las intocáveis, como fazem outros. Mas acha o presidente da Câmara que a prática já mostrou a necessidade de pelo menos uma mudança: as agências precisam, no mínimo, a seu ver, ser obrigadas a adotar mecanismos eficientes para garantir a transparência de suas ações. Devem ser obrigadas a prestar contas à sociedade do que têm feito no interesse dos usuários, seguindo o preceito do accountability, atributo da democracia contemporânea.

- A Anac, por exemplo, tem que ser obrigada a nos informar sobre a fiscalização das empresas aéreas. Temos o direito de saber qual é o grau de segurança de que desfrutamos. Precisamos saber como são compostas as tarifas aéreas, assim como as de telefonia, a cargo da Anatel, e as de energia, a cargo da Aneel. Se não existe base legal para tal imposição, devemos criá-la - diz Chinaglia.

E a oportunidade é agora, quando a crise da Anac coincide com a votação do projeto que altera a regulamentação das agências. Ele já despertava preocupação das concessionárias, pela possibilidade de redução da autonomia das agências. O atraso em sua votação já estaria inibindo investimentos.

- A regulação deve ter em vista o investimento, mas também os direitos dos cidadãos. É possível combinar esses fatores. No setor aéreo, por exemplo, será que os atrasos constantes não são decorrência da falta de aeronaves ou de tripulação? Não deveria ser obrigação da Anac divulgar as falhas que encontrou? Em que condições de estresse trabalham as equipes?

Ele cita um exemplo de agora mesmo. Foi muito divulgado que um avião da Pantanal derrapara na pista de Congonhas na véspera do acidente. Depois, soube-se que isso ocorreu porque o avião pousou com os pneus estourados. Esta informação, na véspera, não foi dada aos passageiros, certamente para proteger a empresa. Chinaglia diz ter ouvido coisas do arco-da-velha estes dias sobre as condições em que operam as empresas.

Em seu depoimento à CPI do Apagão, três semanas antes do acidente, o ex-presidente da Infraero, deputado Carlos Wilson, já fazia advertências sobre isso, como neste trecho: "Falo em coragem para enfrentar as companhias aéreas porque elas estão sempre querendo ganhar mais e mais, forçando a redução de custos e o aumento dos lucros. É preciso, urgentemente, fazer uma distribuição racional dos horários. E enfrentar a questão de Congonhas, que é insustentável". Isso é mesmo urgente, tenha ou não havido contribuição da pista para o acidente. Especialistas já dizem que nem mais mil metros teriam segurado o Airbus acelerado em solo.

Outro que puxa o foco para as empresas é o professor Joaquim Farias, piloto veterano e autor de "Choque de gestão - Do vôo 1907 ao apagão". Ele diz que, com o estreitamento do mercado de trabalho para pilotos, em tempo de duopólio e apagão, contestar a empresa ou recusar uma aeronave pode ser arriscado. Arremeter antes do pouso também, a aeronave volta ao fim da fila. A automação das aeronaves, diz ele, confere precisão às manobras, mas pode levar à desatenção do aviador, se ele estiver estressado. No caso da Airbus, como já ocorreram três acidentes envolvendo a combinação reverso travado-manete em posição errada, é possível que tenha havido uma falha técnica que bloqueou e sabotou procedimentos corretos do piloto da TAM, levando à aceleração indesejada. E isso passa a exigir uma resposta do fabricante. O reverso travado pesou? Certamente que sim, ainda que tenha sido apenas para confundir o piloto, acha o professor. Note-se que os dois pilotos dão a entender que sabem do fato. Isso pode ter induzido à colocação das manetes em posições distintas. No Airbus, qualquer falta ao envelope de vôo pode ser fatal. O envelope contém os limites técnicos da aeronave.