Título: Pura e simplesmente corrupção
Autor: Tostes, Sergio
Fonte: O Globo, 02/08/2007, Opinião, p. 7

Opresidente Lula declarou que o empresariado tem em suas mãos bancadas inteiras de políticos ¿ já que eles financiam suas campanhas. A solução sugerida por ele é o financiamento público das eleições. O raciocínio presidencial é simples: a lógica das regras atuais absolve, a priori, o repasse de dinheiro privado aos políticos. Estranhar o mecanismo, portanto, seria hipocrisia.

Para legitimar essa solução, contudo, é preciso crer que campanhas pagas pelo erário extinguirão o lobby empresarial. Talvez isso equivalha a acreditar que se pode acabar com a desonestidade por decreto.

Intuitivamente, todos têm uma noção do que seja lobby. Associa-se, imediatamente, a tráfico de influência. Mas se fazer lobby é crime, porque seus agentes não são presos? O motivo é que há uma outra interpretação para lobby, como expressão da democracia. É o meio pelo qual setores da sociedade informam e defendem seus interesses junto à classe política.

Quando a capital dos Estados Unidos foi transferida de Filadélfia para Washington, na cidade havia muitos prédios públicos, alguns hotéis e pouquíssimas residências particulares. Dentre os hotéis se destacava o Washington Hotel, próximo do Congresso, onde se hospedavam os parlamentares. Quem tivesse reivindicação ou sugestão a apresentar teria melhor acesso aos legisladores se os encontrasse fora das sessões. O mais conveniente era se dirigir ao hotel, no espaço destinado à recepção, onde os hóspedes circulam ¿ o lobby, propriamente dito.

Hoje, o lobby é reconhecido pela legislação americana. Para atuar, o lobista tem que estar devidamente registrado e comprometido com regras de uma profissão regulamentada. Os lobistas, nos EUA, prestam um serviço legítimo, representam transparentemente o interesse de pessoas, empresas e, hoje em dia, até de países e comunidades estrangeiras. São recebidos pelos parlamentares, apresentam proposições e, não raro, são chamados a depor em sessões de comissões parlamentares temáticas (public hearings).

Os próprios parlamentares reconhecem que os lobistas são tão capacitados que suas opiniões merecem ser ouvidas em público. Mas às claras, legitimamente, sob pena de afastamento e sanções criminais e civis. Como se vê, lá e cá as coisas são diferentes. Nossa eterna tendência de suavizar nas palavras a gravidade das situações adotou a glamourosa expressão lobby para designar o que é pura e simplesmente corrupção.

Quem exerce cargo público e admite relações com lobistas deve saber que está tratando com agentes da corrupção. Não se admite que autoridades públicas sejam ingênuas. Se o forem, estão desqualificadas para seus cargos. Os lobistas à brasileira são perfeitamente identificáveis no Executivo, no Legislativo e no Judiciário ¿ onde pululam advogados e outros profissionais que não têm procuração para atuar nas causas em que demonstram tanto interesse.

Não há na afirmação prejulgamento em relação às pessoas cujos nomes aparecem envolvidos. Ocorre que fatos notórios não exigem prova adicional, e qualquer autoridade que admita contato com um notório lobista deve saber que, quando menos, pode estar se sujeitando a tentativa de corrupção.

A corrupção está na raiz de quase todos os males de nosso país. Ou o Brasil acaba com a corrupção ou a corrupção eternizará nossas injustiças sociais.

SERGIO TOSTES é advogado.