Título: Sem culpa no caso Jean Charles
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 02/08/2007, O Mundo, p. 31

Comissão dirá que chefe da polícia londrina não mentiu sobre assassinato de brasileiro.

Depois de no ano passado sugerir que ninguém deveria ser responsabilizado individualmente pela desastrada operação policial que resultou na morte do brasileiro Jean Charles de Menezes - executado com sete tiros na cabeça num trem do metrô de Londres em julho de 2005 - a Comissão Independente de Queixas sobre a Polícia (IPCC) divulgará hoje um novo relatório em que também mostra uma posição bem condescendente. E, segundo antecipou ontem o jornal "The Guardian", mais uma vez não haverá problemas para o comissário da Scotland Yard, Ian Blair.

No documento estarão as impressões da IPCC sobre a postura da polícia nas horas seguintes à morte do eletricista mineiro, confundido com um dos suspeitos dos ataques frustrados ao sistema de transporte londrino em 21 de julho de 2005. Citando fontes ligadas à comissão, o jornal disse que o coordenador da divisão antiterrorismo da Scotland Yard, Andy Hayman, será o bode expiatório, sob a acusação de ter deliberadamente ocultado informações sobre os incidentes ocorridos na estação de metrô de Stockwell.

Aparentemente, outros oficiais também receberiam críticas, mas o "Guardian" também revelou que o documento da IPCC foi alterado depois de alguns policiais envolvidos nas investigações terem ameaçado ir à Justiça por conta de supostos erros de procedimento por parte da comissão. Hayman, no entanto, acabou na berlinda: a investigação teria descoberto o surgimento de sérias suspeitas sobre um engano em Stockwell no mesmo dia da morte de Jean Charles e que o comandante sabia delas, mas as teria omitido de Ian Blair durante o último relatório daquele dia.

Oficial não teria enganado população de propósito

Sendo assim, ficaria descartada a hipótese de que Ian Blair tinha idéia do engano quando veio a público anunciar que a polícia havia abatido um suspeito de terrorismo e que teria conscientemente iludido o público. O "Guardian", porém, não deu explicações sobre detalhes como a errônea versão oficial da Scotland Yard de que Jean Charles teria tentado fugir da polícia.

Ainda segundo o jornal, a investigação da IPCC concluiu que Ian Blair só foi informado do engano 24 horas após a morte do brasileiro. O comissário teve sua renúncia pedida por vários setores da sociedade depois de uma rede de TV obter documentos da comissão que revelaram detalhes bem diferentes dos apresentados pela polícia num primeiro momento.

Por sinal, o novo relatório deverá mais uma vez ressaltar a principal linha de defesa da Scotland Yard: seu efetivo estava sob pressão devido ao atentado frustrado de 21 de julho e ao bem-sucedido de duas semanas antes, quando 52 pessoas morreram e mais de 500 ficaram feridas em explosões no metrô e num ônibus.

Um porta-voz da campanha Justice4Jean disse que espera respostas.

- Esperamos que a IPCC divulgue uma investigação séria sobre as mentiras e informações falsas que a polícia forneceu após o assassinato de Jean Charles. Esperamos que os culpados respondam por seus atos - afirmou ele.

Em julho do ano passado, o Ministério Público britânico decidiu que nenhum dos agentes envolvidos na morte de Jean Charles deveria ir a julgamento, e que a Scotland Yard teria de ser processada com base em violações na legislação de saúde e segurança de 1974, decisão que não apenas inviabilizou um processo criminal como ainda praticamente acabou com as chances de uma indenização substancial para a família do eletricista mineiro. O caso será julgado a partir de outubro e só depois haverá um inquérito judicial sobre os incidentes de Stockwell.

Ontem um porta-voz da família de Jean Charles disse que os primos do brasileiro que vivem em Londres só se pronunciarão hoje, após a divulgação do relatório.