Título: Reforma do PT esbarra em ação movida pelo PT
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 03/08/2007, O País, p. 14

No governo FH, partido recorreu ao STF contra contratação de servidores pela CLT, e agora ganhou.

BRASÍLIA. Uma liminar pedida pelo PT há sete anos e meio e concedida ontem pelo Supremo Tribunal Federal anulou um dos principais pontos da reforma administrativa aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso. Por tabela, a decisão pôs em risco o novo modelo de gestão pública defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os ministros do STF restabeleceram a obrigatoriedade do regime jurídico único (estatutário) na contratação de servidores pelas três esferas de governo: União, estados e municípios. Parte das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 19, de 1998, que quebrou a estabilidade do serviço público, foi suspensa. Com a decisão, ficam proibidas as contratações pelo regime celetista, aplicado ao setor privado, que gera menos gastos com benefícios e aposentadorias e permite a demissão por ineficiência. A medida não afeta, no entanto, os concursos já realizados com base nas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Modelo de fundações estatais pode ficar ameaçado

A volta ao regime estatutário pode ameaçar o modelo das fundações estatais de direito privado, proposto pelo governo para reduzir despesas trabalhistas e aumentar a eficiência dos serviços públicos. Apresentada em junho pelo ministro da Saúde, José Temporão, a idéia foi endossada no mês passado pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que se encarregou de dar forma e encaminhar o projeto ao Palácio do Planalto.

A União ainda aguardava o julgamento no STF para abrir concursos pelo novo regime, mas, nos últimos nove anos, diversos estados e municípios já contrataram funcionários nos parâmetros da iniciativa privada. A assessoria do Ministério da Saúde informou que a decisão do STF não vai alterar o projeto de fundação estatal. Na avaliação da equipe de Temporão, o projeto cria novo modelo, a Fundação Estatal de Direito Privado, e a decisão do STF afetaria fundações de direito público.

A estabilidade do funcionalismo público era uma bandeira histórica do PT. Ao defender a criação das fundações, o ministro Paulo Bernardo afirmou que não podia "prender-se ao discurso de dez anos atrás do PT". Além da legenda do presidente Lula, assinaram o pedido de liminar, em janeiro de 2000, PDT, PCdoB e PSB, que também era de oposição ao governo tucano.

O advogado-geral da União, ministro José Antônio Dias Toffoli, manteve a cautela ao falar da decisão. Disse que vai examinar o texto da liminar antes de comentar os efeitos sobre o novo modelo de gestão pública.

- Ainda é preciso fazer estudos para saber se as fundações serão atingidas - disse.

"Isso muda tudo na administração pública"

Ocupante da cadeira de Toffoli na época em que a emenda foi aprovada, o ministro do STF Gilmar Mendes afirmou que a decisão vai gerar "perplexidade".

- Isso muda tudo na administração pública - resumiu o ministro, que não votou.

O ministro Sepúlveda Pertence também disse que a decisão pode ser um obstáculo aos planos do governo:

- Atrapalha sim. Mas há tempo para negociações.

A liminar que anulou parte da reforma administrativa foi concedida por oito votos a três. O julgamento começou em setembro de 2001 e foi interrompido pela última vez há um ano, quando o ministro Cezar Peluso pediu vistas. Os ministros do STF julgaram que houve irregularidades na votação da emenda constitucional, aprovada na Câmara sem maioria qualificada de três quintos dos deputados, como determina a Constituição.