Título: AGU trava disputa com Itamaraty no exterior
Autor: Oliveira, Eliane e Delmas, Fernanda Maria
Fonte: O Globo, 03/08/2007, Economia, p. 26

Advocacia-Geral faz projeto para impedir contratação de especialistas e irrita diplomatas. Amorim levou caso a Lula.

BRASÍLIA e RIO. Uma séria disputa entre a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Itamaraty foi parar ontem no Palácio do Planalto, levada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O advogado-geral da União, Antônio Dias Toffoli, trabalha num projeto de lei que dá arrepios à diplomacia brasileira: garantir à AGU o direito de assessorar juridicamente o Brasil em todos os fóruns internacionais, incluindo contenciosos na Organização Mundial do Comércio (OMC) - área em que o país tem obtido sucesso e projeção. Com isso, o Itamaraty ficaria impossibilitado de contratar especialistas no exterior para defender os interesses do país e perderia poder.

Toffoli quer criar uma Procuradoria- Geral Internacional, que, na visão da cúpula do Itamaraty, terá um alcance ainda mais forte. A AGU passaria a representar o Brasil lá fora, substituindo os diplomatas que há anos vêm travando batalhas, principalmente, com os países desenvolvidos. São exemplos a ação da União Européia contra o Brasil por causa da proibição de pneus usados e a defesa da legislação brasileira de patentes, contestada pelos americanos.

- Em time que está ganhando não se mexe - disse um graduado diplomata.

Fontes da AGU argumentam que a criação da procuradoria reduzirá custos com contratação de advogados estrangeiros. Não é o que pensa o Itamaraty, que revela que, no projeto, está prevista a criação de escritórios autônomos no exterior.

- Que economia é esta? - perguntou um embaixador. Outro diplomata alertou para o risco de o Brasil amargar a queda total da qualidade da defesa do país no exterior: - Se você pedir para alguém da AGU redigir um pedido de consulta na OMC, não sairá nada direito. Não se aprende só na escola, mas na vivência, no dia-a-dia. É assim que se adquire respeito.

Toffoli e Amorim já tiveram uma conversa tensa. Diante das divergências, que provocaram um clima de indignação e constrangimento entre as instituições, a saída foi levar o caso diretamente a Lula.

- É uma guerra de egos e, mais do que isso, é uma iniciativa (da AGU) à qual nos opomos fortemente - ressaltou o diretor de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcante. - O Brasil é respeitado e temido lá fora.

Os problemas se agravaram em 2006, quando o Itamaraty decidiu contratar, por licitação, escritórios de advocacia brasileiros e estrangeiros. A AGU não permitiu, sob o argumento de que quem representa a União é a instituição. O órgão admitiu, porém, a contratação de escritórios estrangeiros, por reconhecer que, por enquanto, não tem condições de exercer a função lá fora. A situação mudaria com a criação da procuradoria.

"A defesa da política externa brasileira junto à OMC cabe ao Itamaraty, não cabe à AGU", disse o advogado-geral da União, em resposta ao GLOBO por e-mail. Ele enfatizou que cabe à AGU prestar consultoria jurídica. E citou o artigo 131 da Constituição: "A AGU representa a União judicial e extrajudicialmente nos seus interesses jurídicos e faz o papel de assessoramento e consultoria jurídica ao Poder Executivo e a todos os órgãos da administração direta e indireta ( federais)", disse Toffoli.

A disposição da AGU já tinha gerado uma grita entre escritórios de advocacia brasileiros bem antes da licitação do ano passado. Em 2005, o Itamaraty abriu a primeira concorrência para contratar um escritório para assessorá-lo. O edital, segundo sócios de grandes firmas de advocacia do país que pediram para não serem identificados, na prática excluía os brasileiros: fazia exigências como número mínimo de advogados no exterior, além de não estimular parcerias de estrangeiros com bancas locais.

Uma das fontes afirma que ouviu do Itamaraty a explicação de que a AGU chamou para si o papel da defesa, admitindo escritórios estrangeiros quando precisasse desse conhecimento. Quem venceu a licitação foi a banca americana Sidley Austin.

Em 2006, saiu a outra licitação. O edital, dizem as fontes, tinha regras parecidas com o anterior, e não aceitava consórcio entre brasileiros e estrangeiros. Em dezembro, o governo brasileiro acabou anunciando o cancelamento da licitação.

Termo "representação" é o que mais preocupa Itamaraty

Os advogados brasileiros alegam que os escritórios do país têm competência para fazer ao menos parte do trabalho - além de cobrarem menos. Há, por exemplo, um programa com o Itamaraty para treinar, em Genebra, advogados brasileiros, que acabam trabalhando com a missão diplomática. E escritórios têm enviado profissionais para estudar no exterior.

- Deveria ser do interesse do país e do governo que escritórios brasileiros pudessem participar. A expertise é importante para o país - afirma Marcelo Calliari, diretor do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac) e sócio do Tozzini Freire.

O termo "representação", usado no rascunho do projeto de lei, é o que mais preocupa o Itamaraty. Representar o Brasil, garantem os diplomatas, significa falar em nome do país, inclusive na OMC.

Toffoli explicou que o objetivo é substituir o Departamento Internacional (Dejin), subordinado à Procuradoria-Geral da União, que já atua na representação internacional como a defesa do Estado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Outro argumento é que a contratação de escritórios fere a Constituição Federal e é possível "excepcionalmente".