Título: Até quando, senhor presidente?
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Fonte: O Globo, 04/08/2007, O País, p. 3

Em artigo de 2002, Lula debate a crise aérea, que disse só ter conhecido recentemente.

RIO e BRASÍLIA

A"herança maldita" do ex-presidente Fernando Henrique para o presidente Lula parece ter incluído a polêmica frase "Esqueçam o que escrevi". Apesar de ter dito anteontem, no Planalto, que passou as últimas cinco campanhas eleitorais sem debater a crise no setor aéreo, alegando ter sido surpreendido pelo tamanho do problema agora, Lula assinou artigo cujo título era "Morte anunciada do transporte aéreo". O texto foi publicado em 7 de janeiro de 2002, na "Gazeta Mercantil". Lula era presidente de honra do PT e se preparava para a quarta das cinco eleições presidenciais que disputou.

Anteontem, em reunião com aliados, Lula comparou a crise a uma metástase, querendo dizer que só soube do problema quando já havia assumido enorme gravidade. Na primeira linha do artigo de 2002, porém, ele dizia: "A crise da aviação brasileira, que vem se arrastando há muitos anos, atinge um estágio terminal, sem que se vislumbre uma solução no horizonte. A recente paralisação dos vôos da Transbrasil é mais um presságio. Antes de chegarmos a uma solução irreversível para o setor como um todo, convém refletir se vale a pena deixar as empresas brasileiras de aviação entregues a sua própria sorte ou se é interessante para o país ter uma aviação nacional competitiva."

Naquele mesmo ano, Lula seria eleito presidente. Tomou posse em janeiro de 2003 e, em outubro, seu então ministro da Defesa, José Viegas, assinou relatório do Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac) alertando para a falta de investimentos na segurança de vôo, e a conseqüente sobrecarga no sistema de controle de tráfego aéreo. O documento foi entregue à Casa Civil, comandada então por José Dirceu.

Planalto diz que não vê contradição

Viegas advertia que a diminuição dos recursos poderia "obrigar o Comando da Aeronáutica, por segurança, a adotar um controle de tráfego aéreo nos níveis convencionais existentes no passado". Ou seja, sem o uso de radares, o que levaria a intervalos maiores entre pousos e decolagens, com atrasos e congestionamentos nos aeroportos. A resposta do governo ao Conac só viria dois anos depois, já após a criação da Anac. Em 28 de julho de 2005, a Casa Civil foi categórica: "A política de contingenciamento de recursos não prevê exceção".

No artigo de 2002, Lula defende a ajuda do governo a empresas áreas, opinião que mudou na Presidência. Ano passado, ao longo do processo de falência da Varig, Lula disse que não é papel do Estado socorrer empresas:

- O governo não gosta de ver qualquer empresa ser obrigada a fechar as portas. Estamos atentos, mas não é papel do governo salvar empresas privadas da falência usando recursos do Estado.

"Para o setor sair da crise, seriam necessárias medidas governamentais voltadas para assegurar a isonomia tributária e de financiamento às empresas brasileiras, compatíveis com a realidade internacional", dizia Lula no artigo, no qual falava ainda da criação da Anac, criticando o projeto enviado ao Congresso pelo governo Fernando Henrique: "No início de 2001, o Executivo encaminhou ao Congresso um projeto de lei instituindo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que somente piorava as condições do setor. A comissão responsável pela análise do projeto (...) resolveu modificar profundamente o projeto, adequando-os aos padrões internacionais vigentes. E o que fez o governo FHC? No dia da votação, de forma autoritária, simplesmente retirou o projeto, encerrando a discussão."

Depois de dizer que as empresas áreas nacionais estavam falindo, provocando desemprego e perda de divisas, Lula conclui: "Até quando, senhor presidente?"

A assessoria do Planalto disse que não há contradição entre o artigo publicado em 2002 e as declarações feitas anteontem pelo presidente. Para o Planalto, no artigo, Lula tratou sobretudo da situação financeira das companhias áreas, chamando atenção para o problema. O Planalto negou que o presidente tenha dito que não conhecia a crise aérea quando a comparou a uma metástase. Segundo assessores, Lula se referia não a ele, mas ao país, ao próprio sistema, e utilizou uma figura de linguagem para expressar sua opinião. A assessoria disse que a questão aérea nunca foi debatida nas campanhas das quais o presidente participou, apesar de 2002 ter sido ano eleitoral e Lula, embora não oficialmente, já era o candidato do PT.