Título: Dos quartéis para o tráfico
Autor: Wenerck, Antônio
Fonte: O Globo, 06/08/2007, Rio, p. 8

Levantamento mostra que bandidos conseguiram 525 armas desviadas das Forças Armadas.

OExército, a Marinha e a Aeronáutica tiveram juntos 525 armas desviadas de seus quartéis para os traficantes cariocas, segundo relatório da Subcomissão Especial da Câmara dos Deputados, no qual consta análise do armamento apreendido pela polícia fluminense entre 1990 e 2005. Em média, são 35 armas desviadas por ano. Das três Forças, o Exército aparece em primeiro: 419 armas de seu arsenal foram encontradas com bandidos. A Aeronáutica teve 88 armas desviadas, e a Marinha, 18. Os números não incluem granadas e morteiros que são do patrimônio das Forças Armadas e que foram apreendidos em grandes quantidades na década de 90 pela polícia do Rio.

Segundo o levantamento da Subcomissão Especial, a Diretoria de Armamento e Munição (DAM), unidade da Diretoria de Material Bélico (DMB) do Exército, sediada em Brasília, foi a mais atingida pelos desvios de armas: saíram de seus estoques e vieram parar no Rio 13 armas, cerca de 3% do total desviado. O relatório, ao qual O GLOBO teve acesso, mostra ainda que as armas saíram de 79 quartéis sediados na cidade do Rio e de 94 localizados em outros estados, como a Escola de Sargentos das Armas (ESA) em Três Corações (MG), que teve nove armas de seu quartel desviadas; e os quartéis do 39º Batalhão de Infantaria Leve e do 4º Batalhão de Infantaria Blindada (Regimento Raposo Tavares), ambos em Osasco, em São Paulo, que tiveram oito armas (quatro cada) de seu arsenal apreendidas no Rio.

Fuzis do Exército desviados na PM

Ao admitir o desvio, o Exército informou que 26 fuzis que apareceram no rastreamento como sendo seus foram emprestados à PM do Rio para combater o crime organizado na década de 90. Os fuzis FAL calibre 7,62, capazes de armar um pelotão militar, foram fabricados pela Imbel. Eles são de modelo 964 e foram repassados ao Comando da PM em 1996, ano da vigência de um convênio entre os governos federal e estadual para combater o tráfico no Rio. Na época, segundo o Exército, a Secretaria de Segurança alegava estar em desvantagem em relação ao armamento usado pelos criminosos do Rio, principalmente traficantes.

O empréstimo de fuzis à PM foi apenas um dos quesitos de um acordo envolvendo os dois governos, que incluiu ainda o envio de tropas das Forças Armadas às ruas do Rio em 1994 e 1995, no que ficou conhecida como Operação Rio, de combate ao crime organizado. A cessão de armas à PM foi celebrada em novembro de 1996, durante uma solenidade no Comando Militar do Leste (CML), com assinaturas do general Luís Gonzaga Lessa, na época comandante da Primeira Região Militar do CML, e do então comandante da Polícia Militar, coronel Dorasil Castilho Corval. O general Abdias da Costa Ramos, que comandava o CML, presidiu a solenidade, que contou com a presença do então governador Marcello Alencar e de seu secretário de Segurança, general Nilton Cerqueira.

Os fuzis entregues à PM eram da 12ª Brigada de Infantaria Leve de Caçapava, em São Paulo. Ao todo foram entregues à PM 500 fuzis, mas a maioria deles acabou sendo devolvida pouco depois porque não se adequava ao trabalho da PM.

Como O GLOBO noticiou em sua edição de ontem, a Subcomissão Especial é um desdobramento da CPI das Armas, que até o ano passado funcionou no Congresso Nacional e rastreou mais de dez mil armas recolhidas com criminosos. Cerca de 18% desse armamento foram desviados do poder público. A PM do Rio foi a força de segurança do país que mais contribuiu para armar traficantes cariocas: 1.539 armas saíram de seus quartéis e das mãos de seus policiais para o crime. O relatório mostra que 611 revólveres, fuzis, pistolas e submetralhadoras saíram do patrimônio da PM. Outras 928 armas - 86% delas pistolas Taurus calibre 380 -- que não são do patrimônio da PM, podem ser de policiais militares (oficiais, sargentos e cabos), embora tenham sido vendidas diretamente das fábricas a 64 quartéis no estado.

O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), membro da subcomissão, considera o desvio de armas muito grave. Em seu relatório, ele recomenda aos comandos militares e principalmente às autoridades a que esses comandos estão subordinados "medidas de curto prazo capazes de fazer frente a este enorme problema". Segundo Jungmann, "é preciso que não se repitam inquéritos complacentes que não tocam nas estruturas que favorecem o desvio de conduta, mas que se busquem soluções inovadoras". Ele sugeriu ainda que as autoridades de segurança pública "ouçam especialistas de outras instituições e principalmente especialistas civis do Brasil e do exterior".

Segundo a Subcomissão Especial, a grande maioria das armas usadas pelos criminosos do Rio sai de lojas, de empresas de segurança privada e das forças públicas de segurança, como polícias estaduais e Forças Armadas. Pela conclusão do levantamento dos deputados federais, 86% das armas usadas pelos criminosos têm origem legal: 68% foram vendidas por empresas brasileiras diretamente para lojas localizadas em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Niterói, Duque de Caxias, Nilópolis, Campos e São João do Meriti, além de outras localizadas em São Paulo e em Assunção e Pedro Juan Caballero, no Paraguai.