Título: Lição de Minas
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 07/08/2007, O Globo, p. 2

Vetar é verbo de conjugação difícil para os governantes. Significa quase sempre trombar com a própria base parlamentar. O governador de Minas, Aécio Neves, vetou integralmente ontem a lei orgânica do Ministério Público, em que os deputados estaduais fizeram dois enxertos malandros. Um ampliava o foro privilegiado. Outro criava vantagens salariais para os promotores, que já têm um piso de R$19.955.

As duas emendas, diz o governador, afrontavam o sentimento da sociedade, contrária à impunidade que o foro privilegiado favorece, e aos privilégios e disparidades salariais já existentes no setor público. Na coluna de ontem, Ilimar Franco registrou o apelo ao governador, feito em carta pelo procurador de Justiça do Rio, Marfan Martins Vieira, para que evitasse, pelo veto, uma escalada da impunidade. Outros estados acabariam fazendo o mesmo.

- Desta vez eu nem dispunha do argumento da inconstitucionalidade, pois a Assembléia valeu-se de um projeto do próprio Ministério Público, que tem a prerrogativa de fixar atribuições dos promotores e procuradores. Mas nunca tive dúvida de que teria de vetar as duas emendas, o que acabou exigindo o veto total. Esta é uma decisão coerente com minhas iniciativas, como presidente da Câmara, para coibir a impunidade. Na minha gestão, aprovamos o fim da imunidade parlamentar, que na prática impedia o STF de processar deputados, e instituímos o Conselho de Ética - recorda Aécio.

No fim de junho, os deputados aproveitaram a votação de uma lei ordinária para subtrair dos procuradores estaduais o poder de acioná-los por improbidade administrativa, juntamente com o vice-governador, secretários, magistrados e membros do Tribunal de Contas. No fim, quase duas mil autoridades entrariam no clube dos que só podem ser processados pelo STF. E, como o Supremo já tem dificuldades para julgar processos envolvendo autoridades, seu maior congestionamento favorece a impunidade e obstrui o combate à corrupção. Esta foi vetada porque era inconstitucional. Mas a outra não tinha vício de origem, fora proposta pelo próprio Ministério Público. Aécio alegou que deve haver uniformidade, entre os estados, na definição das autoridades beneficiadas pelo foro especial, o que exige uma lei federal.

A outra razão do veto foi a criação de gratificações e penduricalhos salariais para os promotores. Eles já ganham, ao ingressar na carreira, o piso de R$19.955, elevado quando Nelson Jobim, então presidindo o STF, reajustou os salários dos ministros do Supremo, gerando efeito-cascata nos estados.

Marfan aplaudiu, e, coisa rara, propondo autocrítica:

- O veto do governador foi decisão importante e corajosa, restabelecendo a linha natural de relação entre as instituições. Agora, esperamos que a Assembléia Legislativa, de forma soberana e democrática, mantenha o veto. O Ministério Público teve uma lição e deve rever alguns de seus procedimentos internos.