Título: Motor engasgado
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 10/03/2009, Economia, p. 12

O consumo das famílias, que durante mais de cinco anos sustentou o crescimento econômico, deve apresentar queda no último trimestre de 2008. Retração faz indústria prever PIB perto de zero em 2009

O consumo das famílias, que representa 60% do cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), registrou queda no quarto trimestre de 2008 ante os três meses anteriores, interrompendo, segundo as contas do Diretor de Pesquisas e Análises Macroeconômicas do Bradesco, Octávio de Barros, um ciclo de crescimento contínuo de 21 trimestres consecutivos (cinco anos). O tombo ficou entre 0,7% e 1,5% ¿ o número oficial será divulgado hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ¿, refletindo todo o impacto da crise mundial no dia a dia da população.

Também os investimentos, que os analistas chamam de formação bruta de capital fixo (FBCF), encolheram nos últimos três meses do ano do passado. Pelas projeções do mercado, o recuo foi ainda maior, entre 7,5% a 9,5%, a primeira queda depois de nove trimestres consecutivos de avanço. Em ambos os casos ¿ consumo e investimentos ¿, a contração decorreu, principalmente, da forte retração do crédito e da deterioração das expectativas de consumidores e empresários. ¿Muita gente colocou o pé no freio assim que estourou a quebra do banco americano Lehman Brothers. Uma crise de confiança se instalou no mundo e contaminou em cheio o Brasil¿, disse o economista-chefe da Concórdia Corretora, Elson Teles.

Segundo Flávio Serrano, economista-sênior do Banco BES Investimento, as pessoas que estavam pensando em comprar alguma coisa a prazo ou em tomar empréstimos adiaram as decisões. O mesmo ocorreu no caso das empresas, que cortaram investimentos ou diminuíram os desembolsos para a expansão de fábricas, diante da perspectiva de não terem para quem vender no futuro. ¿O susto foi grande. Não só o consumo e os investimentos desabaram. A produção também recuou de forma significativa, sobretudo a de bens de capital (máquinas e equipamentos)¿, assinalou.

Muitas incertezas Não é à toa, portanto, que o mercado está apostando firme que o PIB dos últimos três meses de 2008 encolheu em relação ao trimestre anterior. Para Octávio de Barros, o tombo foi de 2,5%. Na opinião de Elson Teles, a queda ficou em 2,3%. Menos pessimista, Flávio Serrano previu recuo de 1,6%. Independentemente do resultado, os especialistas afirmaram que o estrago da crise foi tão grande no fim do ano passado, que 2009 começou com saldo negativo. O chamado carry-over (carregamento do ano anterior) será de -0,5% a -0,7%. Ou seja, para que o saldo final do PIB deste ano seja positivo, será preciso que a economia se recupere rapidamente e o suficiente para cobrir esse ¿déficit¿.

Como não acredita que a retomada da economia será ligeira e contundente, o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, informou que está revendo para zero a perspectiva de expansão do PIB em 2009 ¿ a estimativa anterior variava entre 1,8% e 2,4%. O professor Mauro Miranda, do Ibmec, ressaltou, porém, que, a despeito da queda no último trimestre de 2008, o consumo das famílias neste ano será positivo, puxado pelo aumento do salário mínimo para R$ 465, pela ampliação do Bolsa Família, pela queda da inflação, pelo corte dos juros e pelo crédito, que continua sendo oferecido pelo comércio, mesmo mais caro.

¿Certamente, não veremos o consumo das famílias crescendo no ritmo dos últimos anos (acima de 5%), pois as pessoas ficaram assustadas com o desemprego e estão preferindo poupar parte do salário¿, acrescentou Miranda. Para Flávio Serrano, do BES Investimento, é possível que o consumo das famílias feche 2009 com incremento próximo de 1%. Quanto aos investimentos, bem mais sensíveis às intempéries, este ano será de queda entre 3% e 4%. A produção industrial também cairá ¿ 3,5%, nas contas do diretor do Bradesco. ¿Teremos tempos difíceis e de muita incerteza pela frente, apesar de a inflação estar sob controle¿, avisou Elson Teles.