Título: STF quebra sigilo de Renan, que ameaça colegas
Autor: Franco, Bernardo Mello e Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 08/08/2007, O País, p. 12

Relator pede ao BC e à Receita registros de movimentações bancárias e declarações de renda do presidente do Senado.

BRASÍLIA. O Supremo Tribunal Federal (STF) quebrou ontem o sigilo bancário e fiscal do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O relator do inquérito, ministro Ricardo Lewandowski, pediu ao Banco Central e à Receita Federal cópias de registros de movimentações bancárias e declarações de renda do peemedebista desde 2000. O objetivo é apurar se Renan tinha renda suficiente para pagar pensão de R$12 mil à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha.

- Aceitei integralmente o pedido de quebra de sigilo. Com os documentos, a Procuradoria-Geral da República vai saber a origem do dinheiro - disse o ministro do STF.

Os documentos podem atestar se os recibos de venda de gado em Alagoas, apresentados para justificar gastos incompatíveis com o subsídio parlamentar, são ou não irregulares. Se houver irregularidade, será mais uma evidência de que Renan não usou recursos próprios para pagar a pensão.

As denúncias de que Renan teria usado laranjas para comprar duas emissoras de rádio em Alagoas, publicada pela revista "Veja", podem ser acrescentadas ao processo. Segundo Lewandowski, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pode pedir outras investigações da Polícia Federal ou a abertura de um novo inquérito penal para apurar o caso. Por determinação de Lewandowski, o inquérito correrá em segredo de Justiça. O ministro negou favorecimento ao presidente do Senado.

- O processo vai tramitar sob segredo de Justiça porque afeta a privacidade. Isso ocorreria com qualquer cidadão.

Ao ser lembrado que o STF nunca condenou um réu em ação penal, Lewandowski prometeu celeridade.

Renan discursou da tribuna

Pela primeira vez, Renan deixou a cadeira de presidente do Senado para se defender. Foi para a tribuna discursar, mas, quando retomou a presidência, protagonizou um bate-boca, ao fazer ameaças veladas ao líder do DEM, Agripino Maia (RN).

O anúncio feito por Agripino de que a oposição vai obstruir as votações até que Renan deixe a presidência irritou o peemedebista. Renan afirmou que o colega, que também tem negócios e empréstimos bancários, não suportaria duas semanas dos ataques que ele está sofrendo.

- Lastimo que Vossa Excelência seja tão precipitado. Quando ganhei a presidência do Senado de Vossa Excelência, eu sequer comemorei, em respeito à nossa amizade. Vossa Excelência sabe mais do que ninguém a devassa que estou sofrendo, que poucos agüentariam - disse, para acrescentar, nervoso: - Eu não seria leviano com Vossa Excelência. Eu não prejulgaria. Vossa Excelência, que tem negócios, financiamentos em bancos estatais, débitos e concessões, sabe o que estou vivendo. E acho que não agüentaria duas semanas.

Agripino voltou ao microfone, também irritado:

- V. Excelência me fez uma acusação. Que débitos? Tem a obrigação de dizer. A diferença entre nós é que V. Excelência leva essa caso como algo pessoal. Para mim, é institucional.

- Não estou questionando se são legítimos. Mas eu não prejulgaria -- disse Renan, dando a palavra em seguida ao líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM).

No discurso, Renan preferiu acusar o ex-deputado João Lyra e a presidente do PSOL, Heloísa Helena, de estimularem denúncias por motivação política local. Agripino e Virgílio voltaram a pedir seu afastamento da presidência da Casa. A líder do PT, Ideli Salvatti (SC), defendeu Renan, dizendo que as novas denúncias não são acompanhadas de provas e, por isso, é preciso preservar seu direito de defesa.

- Nunca fui proprietário das empresas mencionadas pela revista "Veja". Quanta irresponsabilidade! Quanta vilania! Atribui-me um fato de 1999 sem nenhum documento, sem nada, tudo baseado num relato inverídico e rancoroso do meu desafeto de Alagoas, João Lyra, que me atribui enorme parcela de responsabilidade na sua derrota eleitoral e na sua debacle econômica - discursou Renan.

O senador voltou a criticar a revista "Veja", que o estaria perseguindo. Ele citou como exemplos desse tipo de procedimento reportagens sobre os dólares que teriam sido enviados de Cuba em caixas de uísque para financiar a campanha eleitoral do presidente Lula, o envolvimento das Farc com o MST e as acusações de que o "presidente Lula seria sujeito oculto em organização criminosa" e de que funcionários da Caixa Federal teriam sido subornados para assumir a culpa em irregularidades administrativas. Renan mencionou também a devassa a que foi submetido Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso.

- Vamos seguir linchando homens públicos a cada vindita publicada? A revista tem um passivo com os seus assinantes, leitores e o país em apresentar as provas de denúncias pretéritas e de denúncias recentes.

Renan criticou a decisão do DEM de obstruir as votações:

- Nos anos de repressão, o PMDB obstruía as sessões do Parlamento contra a ditadura. Agora, vejo, com alguma incredulidade, que alguns ameaçam usar a obstrução contra a democracia, contra o direito sagrado de defesa, contra o processo legal, contra o contraditório.

Agripino pediu a palavra imediatamente:

- Eu me preocupo em ser presidido por um senador que é obrigado, como Vossa Excelência acabou de fazer, a apresentar justificativas a cada semana.

Virgílio endossou:

- A sua presença à frente da Mesa Diretora não se revela conveniente.

O líder do PMDB, Valdir Raupp (RO), pediu pressa aos relatores do Conselho:

- Não há mais ninguém nesta Casa, e até fora dela, que não tenha a sua opinião formada. Vamos emitir o parecer no Conselho de Ética, vamos votar. Se tiver de vir para o plenário, vamos votar democraticamente.