Título: Dois dias antes, cubanos não falavam em voltar
Autor: Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 09/08/2007, O País, p. 12

Localizados pelo GLOBO antes da prisão, atletas festejavam com empresários e mulheres e faziam planos para a Europa.

Na Delegacia da Polícia Federal em Niterói, os pugilistas cubanos Guillermo Rigondeaux Ortiz, de 26 anos, e Erislandy Lara, de 24, foram campeões no quesito da lamúria pelo fim da festa. Dois dias antes de serem encontrados por policiais militares da 3ª Companhia do 25º BPM (Cabo Frio), após terem sido reconhecidos na aprazível localidade de Praia do Vargas, em Praia Seca, distrito de Araruama, gargalhadas, sexo, cerveja, sauna e bons pratos da culinária local não davam motivo algum para arrependimentos pela deserção. Voltar para Cuba? Isso não era assunto para os dois cubanos diante de tanta alegria.

Alemão usou pseudônimo no Rio

Hospedados na Estalagem dos Piratas, cujo dono desconhecia os ilustres hóspedes, Rigondeaux e Lara eram pura alegria quando o repórter do GLOBO, sem o conhecimento da polícia e do grupo que acompanhava os cubanos, localizou a hospedaria e foi visitá-la. Duas suítes da pequena, porém bela pousada, enfeitada por flores, estavam ocupadas pelos cubanos e pelo grupo que o acompanhava: o alemão Thomas Doering, que se identificava como Michel no Rio; seu colega de trabalho, um espanhol residente na Alemanha que disse se chamar Alex; um cicerone carioca; além de três prostitutas extremamente alegres. Cada uma recebeu R$200 por dia.

Parecia não existir qualquer preocupação pelo fato de dois dos maiores pugilistas da atualidade estarem sendo procurados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). A exceção da alegria contagiante era o alemão Thomas Doering, que insistia em ter uma companhia. Uma morena bastante extrovertida e sensual, que se enamorou do cubano Lara, tentou ajudar Doering convidando uma amiga para passar a noite com ele. Mas o adiantado da hora não permitiu.

Um loira mais acanhada fez a alegria de Rigondeaux, enquanto a terceira, uma jovem mulher branca, de cabelos bem lisos e pretos, enamorou-se do espanhol Alex. Elas disseram terem vindo do Rio de Janeiro, mas a polícia acha que as três trabalham num prostíbulo da região, localizado na rodovia RJ-124 (Rio Bonito-Araruama). Duas pessoas deixaram a pousada para comprar mais cervejas e atenderam ao pedido das prostitutas para comprar mais cartões telefônicos. Na volta, outra necessidade não foi esquecida: camisinhas para o grupo.

Risos e brincadeiras, a maioria de cunho sexual, vararam a noite na pousada. Enquanto os cubanos se divertiam bebendo cerveja e gargalhando na tentativa de manter um diálogo com as mulheres, Doering e Alex decidiram terminar de fazer as malas. Em várias ocasiões, os dois conversaram em alemão. Eles iriam viajar para a Alemanha alguns dias depois, provavelmente para resolver pendências relativas aos dois atletas cubanos. Ao tentarem embarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim, os dois foram detidos pela Polícia Federal, pois são conhecidos aliciadores de desportistas. Interrogados, ambos negaram qualquer envolvimento no desaparecimento dos cubanos e, então, foram liberados.

Um dos policiais que localizaram os cubanos foi o tenente Rujanir de Castro Lé, da 3ª Companhia da PM local. Ele contou que o 25º BPM já havia recebido um alerta da Senasp sobre a possível presença dos atletas na Região dos Lagos.

- Alguém ligou para o 190 e avisou ter visto os atletas e reconhecido um deles pelo ouro nos dentes da frente e pela língua que falavam. Ele disse em que pousada estavam os cubanos. Mandei uma equipe que estava próxima, orientando-a a não mexer em nada e a não brincar dizendo que Fidel iria cortar o pescoço deles - contou o tenente. - Quando cheguei, eles pagaram a conta e foram com a gente.

A conta, de R$2.200, foi paga pelos próprios cubanos e incluiu a despesa com um beliche quebrado por causa das estripulias sexuais do grupo.

- Eles ficaram com apenas R$62 quando deixaram pousada - disse o policial.

Duas lutas teriam sido agendadas

A empresa que aliciou os cubanos para trabalhar na Alemanha já teria agendado duas lutas para Rigondeaux: uma na Alemanha e outra nos Estados Unidos. O valor de cada uma seria de US$500 mil.

Em Araruama, a sauna da pousada tinha que estar constantemente quente e deu muito trabalho ao proprietário. Apesar do frio e do vento constante, o grupo pareceu não se incomodar. Doering usava apenas cuecas e uma camisa, enquanto os cubanos estavam vestidos com sungas e não usavam camisas.

- Moro na Alemanha. Estou acostumado com o frio. A cerveja esquenta - disse o alemão, respondendo a um visitante.

- Frio? Ela me esquenta - respondeu Rigondeaux.