Título: Entre Chávez e Lula, Ortega desaprova etanol
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 09/08/2007, Economia, p. 31

Parceiro da Venezuela, presidente da Nicarágua nega interesse em aderir à produção do combustível a partir do milho.

MANÁGUA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva bem que tentou, mas não conseguiu entusiasmar seu velho companheiro Daniel Ortega, da Nicarágua, a aderir à produção de etanol. Durante reunião entre os presidentes e seus ministros, Lula enalteceu as qualidades dos biocombustíveis e sua importância para os países pobres. Mas o colega nicaragüense deu a entender que continuará ao lado do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que condena a expansão dos óleos vegetais.

O que o sandinista quer mesmo é investimento em hidrelétricas. A Nicarágua sofre apagões diários de cerca de oito horas. Lula prometeu ajudar. O presidente informou a Ortega que o BNDES pode financiar a hidrelétrica de que a Nicarágua precisa. A obra está orçada em US$150 milhões, e uma missão nicaragüense virá ao Brasil para mostrar o projeto. Representantes da Odebrecht que integram a comitiva oficial demonstraram interesse.

Ortega, com fala mansa, disse taxativamente que não se interessa em produzir etanol a partir do milho, embora tenha deixado uma porta entreaberta, mas sem muita convicção, à possibilidade de usar a cana-de-açúcar como insumo. Anteontem, antes de jantar com Lula em um hotel, ele já havia adiantado suas pretensões em conversa informal com jornalistas.

- É inadmissível, na Nicarágua, produzir etanol a partir do milho. É um crime. E aí temos discrepâncias não com Lula, mas com Bush - discursou, afinado com o Chávez.

Ele admitiu que há uma divergência com Lula sobre o etanol. A Nicarágua, um dos países mais pobres da América Latina, é dependente do petróleo da Venezuela. Politicamente, Ortega está muito ligado a Chávez. Ontem, o presidente da Nicarágua disse que seu companheiro venezuelano estimula a produção de "um pouco de etanol" para misturar à gasolina. Mas Ortega não quis se comprometer com Lula a investir na produção desse combustível a partir da cana, embora o país tenha ampla plantação dessa cultura.

- Estamos preocupados com a monocultura - disse.

Demonstrando total desconhecimento da realidade brasileira na utilização do etanol, Ortega afirmou que é contrário à "política desenvolvimentista e consumista" e que as montadoras de automóveis não querem o etanol.

- A indústria automobilística não se importa com a poluição do mundo - afirmou, sem saber que no Brasil a gasolina contém 25% de etanol, e que os carros bicombustíveis são os que mais vendem.

"Todo analfabeto saber cavar um buraco", afirma Lula

Ao discursar, Lula adotou um tom entre o professoral e o de caixeiro-viajante, com pontadas indiretas a Chávez. Lula observou que o petróleo é muito importante, mas não é todo país que tem dinheiro para extraí-lo, e que não se pode ficar dependente dessa matriz energética, numa alusão à influência do venezuelano na região.

Ele destacou que é importante considerar as especificidades e o potencial energético de cada país. E lembrou a Ortega que não é preciso produzir etanol a partir do milho:

- Produzir etanol a partir do milho na Nicarágua é como produzir etanol a partir do feijão no Brasil. Ou seja, impossível.

Lula publicou um artigo no jornal "La Prensa", enumerando as qualidades do etanol.

- O Brasil não tem interesse em achar que todos os países precisam adotar nosso modelo - disse, após falar dos empregos que a indústria de biocombustível pode gerar. - Nem todos os países têm tecnologia e recursos para produzir petróleo. Mas todo analfabeto sabe cavar um buraco de 30 centímetros e colocar uma planta aí.

Antes de encerrar seu discurso, e para demonstrar que as diferenças não atrapalham a amizade entre ambos, Lula tomou o cravo que dera a Ortega.

- Por isso, me dá o cravo da paz agora - disse, retirando-o do bolso de Ortega, arrancando risos dos ministros.