Título: O país abandonou a prospecção de urânio
Autor: Esteves, Roberto
Fonte: O Globo, 10/08/2007, Opinião, p. 7

TEMA EM DEBATE: O novo programa nuclear brasileiro

O urânio é o segundo melhor negócio do mundo? Realmente, após o petróleo, "mesmo mal administrado", ser considerado como tal, cremos que a exploração do urânio tem razões para estar ocupando hoje esta vice-liderança.

Desde o término da "guerra fria", em 1989, que o urânio vinha sendo negociado a preços na faixa de 8 a 12 U$/libra de U3O8, em virtude, principalmente, da liberação gradual, pelos EE.UU. e Rússia, dos estoques, para fins militares, mantidos durante aquele período.

Esta prática resultou no "dumping" dos preços praticados no mercado que assim permaneceu, durante 14 anos, até meados de 2003, quando houve forte indicação da redução daqueles estoques militares bem como dos estoques estratégicos mantidos por países dependentes da importação e por empresas geradoras de energia.

Desde então, o preço do urânio vem crescendo vertiginosamente tendo, quatro anos depois, atingido valores acima de 130U$/libra.

Isto significa uma valorização de 1000% em 4 anos. Ou melhor, quem produzia e vendia urânio na faixa anterior, há quatro anos atrás, viu seu lucro subir várias dezenas de vezes.

O Brasil descobriu reservas de urânio consideráveis em seu território e tem um potencial estimado de pelo ao menos dobrar estas reservas através da prospecção. Se considerarmos um aproveitamento efetivo de 50% das reservas atuais, temos urânio suficiente para 40 anos de operação de 12 centrais nucleares do tipo Angra 2.

Assim, estamos em uma posição confortável para tomarmos decisões de cunho estratégico sem estar açodado por importações crescentes como foi à época das crises fabricadas do petróleo.

Podemos dizer que o mundo está vivendo hoje, de maneira similar ao petróleo, a "crise do urânio". Ela só não está nas manchetes porque a dependência mundial deste energético afeta o mercado de forma adversa.

Inicialmente, a participação do urânio na matriz energética mundial é somente para a geração de energia elétrica e não para automóveis, petroquímica, fármacos, plásticos, tecidos, combustíveis em geral e etc, que afetam a economia como um todo.

Depois, e mais importante, enquanto o petróleo pesa significativamente em todas as suas participações, representando valores acima de 50% dos custos daqueles produtos, o urânio, na única participação sua, a geração de energia elétrica, representa cerca de 4% do custo da tarifa de energia. Desta forma o seu impacto, em termos de crise, é facilmente gerenciável.

Finalmente, diríamos que a crise é temporal, pois devido ao "dumping" nos preços durante 14 anos, o mercado produtor se retraiu e hoje existe um déficit na produção primária de urânio de cerca de 40% da demanda, mas não significa que faltam reservas minerais de urânio no mundo.

Com os preços atuais praticados no mercado este efeito deve ser reduzido, pois está havendo, no exterior, um retorno maciço dos investimentos em prospecção de urânio.

Porém, a prospecção é um trabalho caro e de duração imprevista. Assim, os "experts" esperam que o déficit e os preços dele decorrentes permaneçam em um patamar alto até a segunda metade da próxima década.

Adicionalmente, diríamos que, também diverso do caso do petróleo, as maiores reservas mundiais de urânio estão nas mãos de países como o Canadá, a Austrália, o Cazaquistão, a Russia e, se fizermos investimentos adequados, também do Brasil. Esses, diferentemente do caso do petróleo, são considerados "países confiáveis", na terminologia do grupo G8.

Assim, há necessidade de implantarmos uma política estratégica adequada para não sermos pegos, como sempre, atrasados nas ações e perdermos a oportunidade de tirar vantagens da situação atual do mercado onde, diferentemente do petróleo, nós agora temos as reservas.

O urânio no Brasil, similar ao início do petróleo, é monopólio do estado competindo a este determinar a estratégia de sua exploração. Desde o início dos anos 80 que não se investe um centavo em prospecção de urânio no país.

ROBERTO ESTEVES foi presidente da estatal Industrias Nucleares do Brasil (INB), empresa responsável pelo monopólio do urânio e é professor da Universidade Federal Fluminense.