Título: Chumbo grosso nos mercados
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 10/08/2007, Economia, p. 25

BCs de Europa, EUA e Canadá emprestam US$156 bi a bancos para evitar crise de liquidez

Os bancos centrais de Estados Unidos, Europa e Canadá surpreenderam ontem os mercados ao injetarem US$156 bilhões em empréstimos ao setor bancário. O objetivo foi impedir que a falta de liquidez se alastrasse no mercado financeiro, depois que o segundo maior banco da Europa, o francês BNP Paribas, congelou 1,6 bilhão (US$2,2 bilhões) em fundos, citando problemas no mercado hipotecário americano. O BNP Paribas informou que a crise no subprime (hipotecas de alto risco) o impede de calcular o valor de alguns ativos e suspendeu os resgates por investidores. Foi o suficiente para provocar um efeito em cascata nos mercados acionários no mundo todo. Só as bolsas da Ásia não caíram, por terem fechado antes do anúncio do BNP. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) acompanhou as perdas registradas nos EUA e na Europa e caiu 3,28%, aos 53.430 pontos. Com a elevação da aversão a risco e a conseqüente saída de investidores estrangeiros do país, o risco-Brasil subiu 8,72%, para 187 pontos centesimais. O dólar subiu 2,06% e fechou a R$1,926.

"A completa evaporação da liquidez em certos segmentos do mercado de securitização dos EUA tornou impossível avaliar de forma justa alguns ativos", afirmou o BNP Paribas em nota. O Brasil não será afetado, assegurou o diretor-presidente do banco no país, Marcelo Giufrida.

O BCE agiu rapidamente. Ao verificar que a menor oferta de dinheiro no mercado fez taxa de empréstimos overnight entre bancos saltar de 4% para 4,7%, injetou 94,8 bilhões (US$130,81 bilhões) no sistema financeiro, para evitar uma crise de liquidez. Foi a primeira grande intervenção desde o 11 de Setembro, segundo o "Financial Times". O BCE afirmou apenas que visava a assegurar o funcionamento do mercado monetário em euro.

O movimento foi seguido logo depois pelo Fed e o Banco do Canadá, embora em menor escala. O Fed injetou US$24 bilhões, e o BC canadense, US$1,37 bilhão. Segundo analistas, o volume foi pouco maior do que essas instituições normalmente colocam no mercado.

Assim, o Dow Jones caiu 2,83%, no seu segundo pior dia este ano. A Bolsa de Paris recuou 2,17%. Parte dos investidores correram para os títulos do Tesouro americano. Com a maior procura, os papéis de referência para o mercado, com vencimento em dez anos, registraram perdas de até 1,44%, com ganhos de 4,79% ao ano.

Crise deve afetar crescimento dos EUA

O analista Tony Crescenzi, da Miller Tabak, afirmou em nota que os eventos de ontem "mostram que ou o Fed cometeu um grave erro de política na terça-feira (ao manter os juros em 5,25%), ou que tanto o Fed como o BCE estão mais no escuro sobre os problemas que estão abaixo da superfície que os investidores".

Segundo Fábio Knijnik, analista sênior da BES Investimento, a crise no subprime afeta cada vez mais a liquidez de outros segmentos do crédito, como o de alta qualidade. A Libor (taxa interbancária usada como referência para empréstimos de longo prazo) marcou 5,66% ao ano ontem, contra 5,35% do dia anterior. Nos Estados Unidos, o juro diário alcançou 5,43% anuais, ante 5,31% da véspera.

- Com menos dinheiro no mercado, o custo do financiamento encareceu as operações porque ninguém sabe o que pode acontecer amanhã. Por isso, os bancos centrais entraram no mercado. Foi uma atitude positiva, mas a tensão ainda vai continuar - diz Knijnik.

O analista Cameron Brandt, da consultoria de fundos EPFR Global, vê a ação como positiva para assegurar a liquidez. Mas, segundo ele, a intervenção acabou tendo efeito contrário, porque os investidores entraram em pânico quando souberam do movimento dos bancos centrais:

- Será inevitável que outros fundos tenham problemas. Vai demorar algum tempo para que a crise no crédito seja absorvida pelo sistema.

Para o economista-chefe do banco WestLB, Roberto Padovani, a crise não vai mudar o fluxo da liquidez global a médio e longo prazo. Gustavo Barbeito, da Prosper Gestão de Recursos, ressalta que o anúncio do BNP Paribas é preocupante porque os bancos da Europa têm uma exposição razoável em subprime. Segundo relatório do Citigroup, as instituições financeiras européias detêm mais de 10% do crédito de alto risco.

Ontem, a seguradora American International Group (AIG) informou que a inadimplência está aumentando e já atinge 2,5% de sua carteira imobiliária. Já a financiadora Countrywide afirmou, em documento enviado às autoridades reguladoras americanas, que enfrenta problemas "sem precedentes" em dívidas e que a crise hipotecária pode afetar sua condição financeira, segundo o site do "Wall Street Journal". Apesar de tudo, o presidente George W. Bush tentou tranqüilizar os mercados ontem:

- Os fundamentos de nossa economia são fortes. Fui informado de que há liquidez suficiente no sistema para permitir aos mercados que se corrijam.

Mas economistas ouvidos pela Bloomberg News afirmaram que essa crise deve afetar o crescimento dos EUA este ano. Eles reduziram suas projeções para de 2,8% para 2,6%.

COLABOROU Juliana Rangel, do Globo Online, com agências internacionais