Título: Bolsa Família e seus parentes
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 12/08/2007, O Globo, p. 2

O programa Bolsa Família não tem todas as virtudes que o governo exalta, mas não é a nulidade assistencialista que induz à inércia apontada pelos críticos. Um estudo de técnicos do Ipea sobre o programa brasileiro de transferência de renda e seus similares do Chile (Chile Solidário) e do México (Oportunidades) conclui que todos eles contribuíram para a redução da desigualdade social.

Assinado pelos economistas Sergei Soares, Rafael Guerreiro, Fabrício Veras, Marcelo Medeiros e Eduardo Zepeda, o estudo aponta benefícios correlatos, como a melhora da educação e da saúde, a redução da mortalidade e do trabalho infantis. Mas é a desigualdade, dizem eles, que, se não for corrigida, manterá a América Latina como região atrasada e irrelevante, não contribuindo para a economia global nem dela se beneficiando. A transferência de renda vem se mostrando eficaz nestes países que trilham caminhos diferentes. O Chile optou por uma economia aberta e dependente de poucos produtos; o México associou-se ao Nafta e tem economia mais diversificada; o Brasil fez uma liberalização mais tímida, mantendo uma economia diversificada quanto aos produtos e aos parceiros comerciais.

O Chile Solidário foi criado em 2002 para atender a 225 mil famílias (num país de 16 milhões de habitantes). O governo federal o executa com os municípios (o Chile não tem estados, é unitário). A seleção dos beneficiados é rigorosa, começando pela visita de agentes sociais a cada família, identificando seu perfil e suas necessidades. Elas recebem uma ajuda em dinheiro, o bono de protección, e assistência social em diversas áreas. O dinheiro é recebido pelas mulheres (chefes de família ou mulheres do chefe) por um período de dois anos, durante os quais passam a ter mais acesso à alimentação, à saúde e à educação, sem o que a inclusão social não seria possível. Depois, continuam recebendo, porém menos, e ganham prioridade na busca de emprego. As contrapartidas variam segundo o perfil da família. O que parece mais definido aqui é a porta de saída, expressão que desagrada ao ministro Patrus Ananias, que prefere falar em emancipação.

O Oportunidades, que atende a cinco milhões de famílias mexicanas, tem foco nos municípios mais pobres e aéreas com altos índices de violência e marginalidade. A seleção aqui também é bem rigorosa. Do pedido de inscrição ao ingresso vão uns cinco meses, durantes os quais a família é visitada e a própria comunidade, ouvida. Há uma bolsa para idosos (como o Loas brasileiro), em que não se exige contrapartida; uma outra a título de auxílio alimentação, incondicional; e uma terceira e maior, que exige contrapartidas diversas - da freqüência da mãe a cursos sobre saúde e nutrição à freqüência escolar das crianças e jovens. Como no Bolsa Família, o valor aumenta com o numero de filhos em idade escolar.

Constataram que o programa chileno é o melhor focalizado nos pobres, seguido do mexicano, ficando o Bolsa Família como o mais sujeito a "vazamento" das transferências (desvios para quem não precisa). Mas, em todos, os 40% mais pobres recebem 80% dos recursos.

Para os três países, os técnicos do Ipea calcularam a renda domiciliar "per capita" dos beneficiários, a partir da soma de todas as rendas da família que se somam ao benefício. A partir desta renda total de cada família, puderam decompor o coeficiente de Gini, a medida estatística mais utilizada para medir a desigualdade (varia de zero a um e, quando mais próxima de um, pior a distribuição de renda). O do Brasil hoje, 0,552, é o menor dos últimos 30 anos, embora ainda seja maior que o do continente, 0,52.

Analisando a evolução da renda domiciliar per capita nos três países a partir de 1990, concluem os autores que nos três houve redução significativa da desigualdade, mais acentuada, porém, no Brasil e no México que no Chile. O coeficiente de Gini caiu 2,8 pontos no Brasil e 2,7 pontos no México no período, "o que representa uma redução de aproximadamente 5% na desigualdade dos dois países", diz o estudo, que conclui: "O peso dos programas na formação da renda total ainda é bastante modesto, indo de quase zero, no caso do Chile Solidário, a mais ou menos 0,5% nos casos brasileiro e mexicano, porcentagens bem inferiores às da renda do trabalho ou da seguridade. No entanto, esta renda é tão progressiva e sua distribuição tão enviesada em favor dos mais pobres que se tornou responsável por fração significativa da redução no coeficiente de Gini".

Estes programas não fazem milagres nem revolução. Haverá limites fiscais e administrativos à expansão deles. O Bolsa Família ajuda a compor os índices de popularidade de Lula. Seus similares devem levar Fox e Lagos a eleger seus sucessores. Mas mostra este estudo que, para além disso, são mecanismos eficientes de combate à desigualdade, com custo fiscal reduzido.