Título: O papel do governo não é chorar, dizia Lula
Autor: Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 12/08/2007, O País, p. 12

CONTRADIÇÕES PETISTAS: "Se tivesse ignorado as vaias e aberto o Pan-Americano, Lula talvez tivesse sido aplaudido".

Para especialistas, presidente, então na oposição, tinha razão: na democracia, denunciar faz parte do jogo.

"O papel do governo não é chorar. Quem chora é a oposição. O governo tem de governar". A frase é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato do PT à Presidência, em julho de 1994, e ilustra o que especialistas ouvidos pelo GLOBO consideram ser normal numa democracia: o papel da oposição é o de denunciar defeitos e falhas do governo. Cabe ao governante trabalhar para fazer uma boa gestão. Para o cientista político Marcelo Simas, do CPdoc da FGV, o incômodo de Lula com as vaias recebidas recentemente e suas reclamações em relação à oposição e à imprensa mostram que o presidente, apesar da forma como agia quando não era governo, ainda não entendeu que assim funciona uma democracia:

- Reclamar da oposição é não reconhecer que a contestação pública é o fundamento da democracia. A regra do jogo é a oposição denunciar, trabalhar para criar a rotação no poder. Fica a critério do eleitor decidir quem está com a razão. Sobre a vaia, ela é uma grande conquista civilizadora da humanidade. Poder vaiar o presidente é um privilégio. Há três séculos, quem vaiasse o rei seria morto.

Lula defendeu o Fora Sarney; Tarso, o Fora FH

Lula, que defendeu a derrubada do governo Sarney dizendo que "é preciso tirar, em primeiro lugar, o presidente Sarney, porque ele está fazendo papel de rainha da Inglaterra; é preciso tirar, em seguida, o Ulysses Guimarães, que está fazendo papel da primeira-ministra Margaret Thatcher", enfrenta uma posição até moderada. Em maio de 1999, após a crise cambial, o hoje ministro da Justiça, Tarso Genro, pedia o impeachment de Fernando Henrique: "Após frustrar irremediavelmente a generosa expectativa da nação, resta a Fernando Henrique uma única atitude: reconhecer o estado de ingovernabilidade do país e propor ao Congresso uma emenda constitucional convocando eleições presidenciais para outubro, dando um desfecho racional ao seu segundo e melancólico mandato, que terminou antes mesmo de começar".

Para Emil Sobottka, cientista político da PUC do Rio Grande do Sul, a oposição atual perdeu o seu discurso porque o governo Lula deu continuidade às políticas do seu antecessor, abandonando seu próprio projeto.

- O governo Lula está tocando o projeto dos outros. Isso é o que está incomodando a oposição, que ficou sem projeto e sem discurso. O PT, na oposição, dava a impressão de que queria conquistar a sociedade para reorganizá-la. Mas, quando chegou ao poder, tornou-se um partido muito autoritário, que não aceita a população opinando sobre os rumos do governo - analisa Sobottka.

Num ambiente de disputa política acirrada, diz o sociólogo Afonso de Albuquerque, da faculdade de Comunicação da UFF, o discurso de que a oposição é golpista - como volta e meia Lula e o PT acusam - é apenas retórica. Segundo ele, há, de fato, grupos mais radicais e outros moderados. Mas não um clima de golpe.

- Não acredito que há, até por parte dos governistas, uma visão de que há uma tentativa de golpe contra o presidente. O que há mais é um jogo de cena, retórico - diz Albuquerque, lembrando que Lula, como qualquer um, tem o direito de criticar a imprensa:

- É normal criticar. Só seria antidemocrático se ele tentasse, por meio de alguma legislação, punir ou impedir o trabalho da imprensa. No caso do acidente da TAM, o caos aéreo que o país vivia contaminou a cobertura. Mas essa politização da crise é, de certa forma, correta. Caberia ao governo fiscalizar as empresas, que, aliás, estão sendo poupadas até agora. Se o governo tem sua responsabilidade, elas também têm.

"A oposição está no papel de criticar", diz Vianna

Para o cientista político Luiz Werneck Vianna, do Iuperj, se tivesse ignorado as vaias e aberto os Jogos Pan-Americanos, voltando para o encerramento do evento, o presidente Lula talvez tivesse até sido aplaudido. A incapacidade do presidente em aceitar críticas, diz Vianna, só faz acirrar o clima político:

- Acho que a oposição, embora incompetente, está no papel de criticar, e o governo está na posição de se defender. Mas é preciso que se baixe esse tom, tanto o governo quanto a oposição, porque ainda falta muito tempo para findar o mandato presidencial. Não vejo como a democracia política pode ganhar com isso. Existe a possibilidade de o debate se tornar muito passional.

Simas, da FGV, acha que recorrer à história, citando Getúlio Vargas, João Goulart e JK, para dizer que está sendo perseguido, é apenas mais uma fórmula de agitação de Lula:

- O PT sempre mobilizou as massas por meio do convencimento político, não da conscientização. A oposição é absolutamente comportada. Não fica pedindo impeachment toda hora. Mas Lula ameaça, a qualquer crise, botar o povo na rua.