Título: Remédios foram entregues sem contrato ao estado
Autor: Amora, Dimmi
Fonte: O Globo, 12/08/2007, Rio, p. 29

Empresa forneceu medicamentos a partir de 2 de janeiro deste ano, mas outras receberam a fatura do governo.

A Secretaria estadual de Saúde (SES) começou a receber medicamentos da empresa Lahmanno Rio no primeiro dia útil da atual gestão: 2 de janeiro. Em todo o primeiro mês deste ano, antes de haver qualquer tipo de contrato específico ou empenho (garantia de pagamento pelo estado), que são obrigatórios, a firma já tinha entregue cerca de R$6,7 milhões em produtos. Mas ela não recebeu por tudo que enviou. Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que outras empresas apresentaram posteriormente notas fiscais - com o mesmo número de lote, quantidade e valor dos produtos já entregues - para receber pelo fornecimento feito pela Lahmanno.

A primeira nota da Lahmanno Rio tem o valor de R$82.488,40, o que corresponde à entrega de 49,7 mil unidades de material hospitalar e medicamento. No dia seguinte, foram entregues mais R$270 mil. Nesse mesmo dia, o secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, levou o governador Sérgio Cabral (PMDB) para visitar o Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, e anunciou que estava recebendo quatro toneladas de medicamentos do Ministério da Saúde. O órgão informou ao GLOBO, na semana passada, que não forneceu remédios ao governo do estado.

Diferentemente do procedimento normal, as notas fiscais da Lahmanno não informam a que processo administrativo ou contrato estão vinculadas. Não dizem também qual empenho garante o pagamento. Só informam o nome do destinatário (Secretaria estadual de Saúde) e o endereço de entrega (a Coordenadoria Geral de Armazenagem do órgão).

Processo administrativo só no fim de fevereiro

Somente na primeira semana do ano, a empresa entregou cerca de R$2,8 milhões em 293 itens diferentes. Num único dia, 5 de janeiro, R$1,4 milhão em medicamentos e materiais foram levados para o depósito. Só de luvas de látex para procedimento (tamanho M, não-estéril), foram entregues 1,65 milhão de pares a R$0,09 a unidade (custo de R$148,5 mil).

Após a primeira semana, a Lahmanno, que tem sede em Sulacap, continuou entregando em grandes quantidades ao estado. As notas, contudo, não valiam para recebimento, já que estão classificadas como sendo de remessa. Estas notas servem para que empresas transportem cargas entre uma matriz e uma filial, por exemplo, já que é proibido circular com mercadoria sem o documento. Elas não poderiam ser usadas para que uma empresa privada entregasse medicamentos ao estado.

O primeiro processo administrativo para pagamento das vendas da Lahmanno só foi iniciado em 27 de fevereiro. O empenho saiu apenas em 22 de março e os pagamentos começaram e ser feitos em 24 de abril. O último pagamento à empresa foi feito em 31 de julho - depois de o dono da Lahmanno ter sido indiciado pela Procuradoria da República por corrupção, na operação Hurricane 3, no início do mesmo mês.

As notas que valiam para pagamento começaram a aparecer no fim de janeiro. Elas também não trazem informações sobre os processos a que se referem. Essas notas de venda têm os mesmos produtos que já constavam das de remessa da Lahmanno. Em todos os casos, os preços dos itens são os mesmos e, na maioria deles, as quantidades são iguais. A diferença: as notas não são da Lahmanno.

- Já trabalhei em várias áreas da administração pública, sou advogado do setor, mas isso eu nunca vi. Não existe nota fiscal sem empenho porque, antes disso, é preciso haver uma dotação orçamentária, um contrato e um processo administrativo - afirmou o advogado Durval Fagundes, especialista na área de licitações.

O GLOBO obteve notas fiscais de seis empresas com itens iguais aos que constavam das da Lahmanno. Os valores nos documentos totalizam R$2,2 milhões, cerca de um terço do fornecimento da Lahmanno em janeiro. Três empresas não escreveram nas notas os números de lotes dos medicamentos (o que é obrigatório). Mas as quantidades e os preços que constam nelas são os mesmos dos itens entregues pela Lahmanno.

Dono da Lahmanno foi indiciado por corrupção

As notas de outras três empresas - a Barrier Comércio e Serviços, a Compreserv Material Hospitalar e a Topsky Comercial - têm valores e quantidades iguais, além do mesmo número de lote dos documentos de remessa da Lahmanno. O lote 7201961 de Floxem (Cloridrato de Ciprofloxacina), da Cellfarm - comprado a R$0,16 a unidade -, aparece na nota 56.813, de 8 de janeiro, da Lahmanno, e na número 15.923, da Topsky, de 24 de janeiro.

O lote 069678 de Lidogel (Cloridrato de Lidocaína 2%) 30gr, fabricado pela Neoquímica, aparece na nota fiscal 56.810 da Lahmanno, de 6 de janeiro (um sábado). O mesmo lote aparece depois na nota da Barrier número 49.338, emitida em 31 de janeiro, com o valor de R$1,50 a unidade. Consultada, a Neoquímica informou que vendeu à Lahmanno o lote e a quantidade indicados.

A empresa Prati, Donaduzzi - fabricante do Bromidrato de Fenoterol - informa que, no Rio de Janeiro, vendeu apenas para a Lahmanno o lote 6m249 do medicamento. O lote consta da nota fiscal 56.779 da Lahmanno, de 5 de janeiro, e também da nota número 49.336, da Barrier, de 31 de janeiro. O valor da unidade é R$2,20.

O dono da Lahmanno, Sandro Lahmann, foi indiciado pelo Ministério Público Federal, acusado de ter subornado um delegado federal para arquivar um inquérito em que eram investigados pagamentos do governo do estado à empresa, entre 2003 e 2004, de cerca de R$8,3 milhões. Segundo o MP, o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) teria recebido uma denúncia anônima de que os recursos podem ter financiado campanhas do PMDB. O Coaf teria constatado que a empresa fez grandes retiradas em dinheiro vivo de suas contas.