Título: A fúria de um refém dos bancos
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2009, Economia, p. 14

Presidente do banco central norte-americano critica apostas irresponsáveis da seguradora AIG, mas afirma que não poderia deixar de injetar US$ 30 bilhões nela, depois de ter colocado US$ 150 bilhões

O todo-poderoso governo dos Estados Unidos virou refém do sistema financeiro. Após enterrar centenas de bilhões de dólares do contribuinte em companhias falidas sem conseguir recuperá-las, a equipe econômica só consegue pensar em uma medida para atacar os graves problemas patrimoniais dos bancos: entregar mais dinheiro aos executivos. A condição de prisioneiro ficou clara ontem nas afirmações do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Ben Bernanke, em audiência no Comitê de Orçamento do Senado. Ele se confessou ¿furioso¿ com a seguradora AIG, que já recebeu ajuda de US$ 180 bilhões e não saiu do vermelho, mas assegurou que não há outra alternativa.

¿Não consigo pensar em nada que tenha me deixado mais furioso nos últimos 18 meses do que as apostas irresponsáveis da AIG. Mas a quebra da maior seguradora do mundo seria catastrófica para a estabilidade do sistema financeiro mundial. Nós realmente não tínhamos opção a não ser resgatá-la¿, disse em resposta a senadores insatisfeitos com o programa de socorro. Em 2008, o governo deu US$ 150 bilhões para a AIG e assumiu 80% do seu capital, o que não foi suficiente para evitar que a empresa tivesse perdas de US$ 99,3 bilhões no ano, o maior prejuízo registrado na história corporativa do país. Anteontem, o Tesouro anunciou que vai investir mais US$ 30 bilhões na companhia.

Bernanke afirmou que o governo tem feito o que pode para recuperar a AIG e prepará-la para venda. A seguradora está na lista de companhias que são grandes demais para quebrar porque têm o potencial de arrastar todo o sistema financeiro se vierem a ruir. Nesse grupo, também estão o Bank of America (BofA) e o Citigroup, que já receberam US$ 45 bilhões cada, mas ainda padecem de desequilíbrios patrimoniais. O governo já gastou algo em torno de US$ 400 bilhões com o mercado, tem mais US$ 300 bilhões já aprovados pelo Congresso e previu, na proposta de orçamento, mais US$ 250 bilhões. Tudo isso evitando uma opção que cada vez mais economistas defendem: a estatização dos bancos.

A Casa Branca e o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, reiteraram várias vezes a intenção do governo de deixar os bancos em mãos particulares. A partir de abril, as agências reguladoras vão analisar os balanços para decidir se as instituições precisam ou não de novas capitalizações. Se a resposta for positiva, a primeira opção será atrair investidores privados. Só em último caso, o Tesouro vai aplicar mais recursos, obtendo em troca ações preferenciais conversíveis em ordinárias, com direito a voto. Economistas eminentes como o Prêmio Nobel Paul Krugman e o professor Nouriel Roubini defendem que o governo rasgue a fantasia e parta para a tomada do controle das companhias.

¿Não acredito que nenhum grande banco dos EUA seja uma instituição zumbi atualmente. Todos eles estão emprestando. Todos eles são viáveis. A estatização não é algo justificado nem necessário¿, disse Bernanke.

Ontem, o Tesouro e o Fed detalharam o terceiro componente do pacote financeiro anunciado por Geithner no mês passado. O Tesouro vai emprestar US$ 200 bilhões para os bancos financiarem empresas e consumidores. O objetivo do programa, que pode chegar a US$ 1 trilhão, é recuperar o crédito e estimular a economia. Na Câmara dos Deputados, Geithner disse que o governo vai trabalhar com o Congresso na definição de planos futuros de estabilização.

Rédeas no sistema financeiro

Os dois líderes dos países que mais defendem o livre mercado fecharam ontem acordo genérico, impensável há apenas dois anos. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, reuniram-se e decidiram que defenderão regras mais rígidas nas sobre as transações bancárias. Eles discutiram uma resposta internacional coordenada para a crise mundial que vem dando sinais de agravamento. Gordon Brown considerou que um new deal (plano de recuperação) mundial para o sistema financeiro poderá ser possível nos próximos meses. Essa intenção foi apresentada por ele há um mês, em Londres, antes de um encontro entre os dirigentes dos países industrializados e das economias emergentes sobre a crise.

Washington e Londres afirmam a necessidade de uma ação coordenada, que deve estar no centro das reuniões quando Brown receber em 2 de abril, em Londres, Obama e os dirigentes dos países industrializados e das grandes economias emergentes para a cúpula do G20. A crise é um ¿problema mundial. Ela demanda soluções mundiais¿, disse Brown

Algumas horas antes de receber Brown, Obama lembrou que o desempenho econômico americano no último trimestre de 2008 foi o pior em mais de 25 anos. ¿E, francamente, o primeiro trimestre deste ano não pode ser melhor.¿ Em entrevista à rádio pública NPR, ele disse que as medidas para estimular as economias nacionais não são suficientes e que a comunidade internacional deve instaurar regras e mecanismos financeiros. ¿Temos que atacar as raízes do problema. Temos que limpar o sistema bancário¿, declarou.

Hipotecas O banco americano Citigroup vai reduzir o pagamento da prestação de hipotecas para os clientes desempregados. A prestação mensal poderá ser reduzida a US$ 500 durante três meses desde que se trate de um primeiro empréstimo imobiliário e de que o local seja a residência principal do interessado.

¿O Citi manterá contato com os clientes, se esforçará para ter um diálogo constante com eles (...). Além disso, se não conseguirem encontrar um emprego, o Citi examinará cada caso para tentar encontrar as melhores soluções¿, segundo uma nota oficial do banco que recebeu ajuda de US$ 45 bilhões do governo americano. A taxa de desemprego nos Estados Unidos (7,6%) é a mais alta desde 1992.