Título: Muito além dos jardins
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 12/08/2007, Economia, p. 34

Instituto Terra levou também cinema para interior de Minas.

¿ Ele não é tão bonitinho? Todo arrumadinho!

Assim, como se falasse de uma pessoa, Sebastião Salgado fala do cinema que construiu para a cidade. Ele e Lélia contam cada detalhe:

¿ Fomos fazer um trabalho para a Bienal de Valência, na Espanha, e pedi o projetor. Eles deram, e a Unesco trouxe ¿ diz Sebastião.

O projetor tem apenas uma exigência: uma parada para esfriar após uma hora de projeção.

O povo de Aimorés, que vivia lá sem cinema algum, aproveita o intervalo e se espalha em conversas pelos jardins plantados cuidadosamente por Lélia no pátio entre as construções.

A iluminação e o áudio foram doados pelo ator Robin Williams, permanente colaborador do Instituto. A Natura e a Funbio apoiaram a construção. A obra, adaptada por Lélia do projeto selecionado, é simples, prática, bonita.

Grandes toras de eucalipto formam a estrutura de apoio do telhado. O chão é de cimento. Em vez de cadeiras, bancos de igreja para caber mais gente. Em cima dos bancos, um estofado dá o conforto pedido pela cidade. A tela sobe para revelar um palco, o que transforma em teatro. Atrás do palco, camarins.

¿ Dois grupos de teatros foram criados na cidade, as ONGs usam o espaço para suas reuniões, tudo acontece aqui no Cine Teatro Terra ¿ diz, entusiasmado, Sebastião.

A cidade pede um filme como ¿Código Da Vinci¿, eles trazem, mas não deixam também de fazer suas escolhas, como o documentário ¿Uma verdade inconveniente¿ ou ¿Sociedade dos poetas mortos¿. A vida cultural renasce.

O Cine Teatro Terra é só um dos exemplos de como o casal tem conseguido mobilizar uma rede de apoio para tornar realidade o sonho de refazer a Mata Atlântica e espalhar cultura e educação numa cidade empobrecida, que perdeu 40% da sua população nas últimas décadas.

¿ Passamos o chapéu o tempo todo, é pesado. Semana passada, estávamos nos EUA, pois Robin Williams fez um jantar de arrecadação. O governo das Astúrias nos ajuda desde que ganhei o prêmio Príncipe das Astúrias; a Província de Roma. No Brasil, várias empresas ajudaram ou ajudam preocupadas com a responsabilidade social ¿ diz Sebastião.

Há retrocessos. A Arcelor colaborava, mas a nova dona, Mittal, cortou todos os financiamentos sociais no Brasil. No início, o Instituto Terra teve um financiamento de R$500 mil da Funbio, com a exigência de que conseguissem um valor igual. Foi um pesado trabalho de arrecadação, que levou até parte de suas próprias economias.

Redes de amizade nacionais e internacionais são um dos maiores ativos deles, refletido na diversidade do Conselho Consultivo, que tem Chico Buarque, José Mindlin, João Pedro Stédile, Russel Mittermeier e Washington Olivetto.

¿ Todo investimento aqui tem prestação de contas; controlamos as despesas muito direitinho. As empresas brasileiras investem pouco porque (o projeto) está fora do eixo Rio-São Paulo, tem pouca visibilidade ¿ diz Sebastião.

A próxima missão será mobilizar sua rede de famosos e empresas, doadores e simpatizantes e fazer um fundo de US$10 milhões que dê estabilidade ao Instituto, garanta o futuro da floresta nova, as aulas do centro de treinamento, as mudas do viveiro e novos espetáculos e sessões do Cine Teatro Terra.