Título: A floresta nova de Sebastião Salgado e Lélia
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 12/08/2007, Economia, p. 34

A VOLTA DO VERDE: Projeto injeta 2,8 milhões por ano em região de Minas, abre 80 empregos e treina alunos e agricultores.

Comandado pelo fotógrafo e sua mulher, Instituto Terra já plantou 1 milhão de árvores.

AIMORÉS (MG). O cenário era de desolação. A terra completamente desmatada se abria em erosões. Os morros pelados desbarrancavam com as chuvas. Nada na fazenda que Lélia e Sebastião tinham acabado de comprar naquele fim dos anos 90 lembrava a terra cheia de árvores, animais e vida onde ele havia crescido 50 anos antes.

- Tião, por que a gente não faz uma floresta? Vamos encher isso aqui de árvores - disse Lélia ao marido, o fotógrafo Sebastião Salgado.

Ele e Lélia, casados há 40 anos, têm sido parceiros em outras missões quase impossíveis pelo planeta. Decidiram tornar o desafio ainda mais difícil: criaram nessa terra desolada uma Reserva Particular do Patrimônio Natural. Numa RPPN, o proprietário se compromete, sob as penas da lei, a proteger o que encontrou. Os dois se comprometeram com algo mais arriscado: refazer o destruído e proteger o refeito.

Assim nasceu o Instituto Terra, em 1999, em Aimorés, Minas Gerais, na divisa com o Espírito Santo. Nestes oito anos, o Instituto já plantou um milhão de árvores da Mata Atlântica. Isso ocupou metade da Fazenda Bulcão, numa área equivalente a 334 campos de futebol do tamanho do Maracanã.

O Instituto Terra prova que meio ambiente protegido faz bem à economia: 2,8 milhões são injetados anualmente na região, 80 empregos diretos foram criados, 5 mil alunos e 2 mil agricultores já passaram pelo centro de treinamento. Um viveiro produz 700 mil mudas por ano, de 160 espécies diferentes da Mata Atlântica e, na semana passada, recebeu a visita de dois governadores, Aécio Neves, de Minas, e Paulo Hartung, do Espírito Santo. Eles foram assinar um convênio que aumenta a produção para 1,3 milhão de mudas anualmente. Lélia e Sebastião querem fazer floresta para além de suas terras.

- A fazenda aqui comporta mais 1,5 milhão de árvores, mas queremos que, nos próximos 50 anos, 50 milhões de árvores sejam plantadas no Vale do Rio Doce - sonha o mineiro, cidadão do mundo, Sebastião Salgado.

Sobrou só 0,3% da cobertura original da Mata Atlântica

O Vale é uma área do tamanho de Portugal. No médio Rio Doce, os brasileiros foram longe demais na destruição: sobrou apenas 0,3% da cobertura original da Mata Atlântica.

Comprar uma terra assim tão degradada foi pedido do pai ao único filho homem.

- Meu pai tinha muito respeito por esta terra. Ele dizia que, se a tivesse vendido, com a inflação brasileira, tinha ficado sem nada, e eu teria me tornado, na melhor das hipóteses, tratorista do vizinho.

Com a terra, Sebastião Salgado, o pai, educou o filho e as sete filhas. Mas os ciclos econômicos foram passando:

- Daqui, onde havia perobas e outras árvores nobres, saiu madeira para virar taco em apartamento no Rio de Janeiro, para os fornos de ferro gusa, para as locomotivas, para formar pasto para o gado. Na minha infância, eu vi essa fazenda cheia de árvores, pássaros, macacos - conta Sebastião.

Manuel Bernardo Lopes, 68 anos, é o mais antigo trabalhador na fazenda e guarda também partes dessa história:

- No antigamente, era tudo cheio de mato, depois escasseou; esses morros desciam tudo pelas ribanceiras. Tinha que ficar juntando canjiquinha em cima de toco para ver canarinho. Hoje voltou tudo.

Nascentes voltaram a brotar da terra, os pássaros enchem de música as manhãs, os canarinhos da terra voam aos bandos, o gavião-tesoura exibe seu vôo planador, capivaras reapareceram, cobras, sapos, peixes. Sebastião quer trazer até jacarés.

- Será o primeiro jacaré que vem da cidade para o campo - brinca.

Idéia é formar secretários de meio ambiente da região

Mas o início foi duro. No primeiro ano, perderam 60% do que haviam plantado.

- A gente não sabia como fazer. Depois de anos de pisoteio de gado, era difícil plantar - conta Lélia.

- No começo, a gente aprendia como não fazer - completa Sebastião.

Um dos caminhos, diz o técnico Weyller Salomão, é plantar acácia.

- É uma leguminosa exótica, mas que devolve o nitrogênio ao solo. Ela é cortada e deixada lá para virar matéria orgânica e preparar a terra.

Foi preciso ensinar os trabalhadores a fazer a capina ao contrário. Na tradicional, corta-se tudo que não é capim. Lá a luta é contra o o capim.

- Aquela ali foi plantada, essa outra nasceu. Quando elas estão pequenininhas, trabalhamos bem devagar - explica, todo equipado com bota e chapéu, um dos agricultores, de nome Alan Johnson Friaz, há cinco anos no Instituto.

Essas e outras informações são transmitidas por outra parte do trabalho: um vigoroso projeto educacional.

Quando o GLOBO estava lá, integrantes da Polícia Ambiental de Minas estavam recebendo um dos cursos que têm regularmente de técnicas ambientais. Jovens das escolas da cidade também aprendem a virar monitores, são os "terrinhas".

- O projeto tem apoio do Criança Esperança. Os terrinhas têm que ensinar em classe o que aprendem aqui - conta Gladys Nunes, gerente de educação e cultura do Instituto.

Todos os professores da rede pública têm aulas no Instituto Terra. Mas o mais ousado projeto, com o apoio do governo das Astúrias, na Espanha, é o curso de dois anos oferecido a 20 jovens da região, selecionados por aptidão. Eles moram na fazenda durante o curso. Uma vez por ano, recebem a visita de alunos da Universidade de Santa Fé.

- Estamos formando técnicos agrícolas ambientais, gente que saberá que trabalhar na terra não é espalhar pesticida - comenta Lélia.

- Estamos, quem sabe, formando os futuros secretários de meio ambiente das cidades da região - diz Sebastião.