Título: Em busca da gênese do planeta
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 12/08/2007, Economia, p. 35

Novo projeto é fotografar imagens de cantos isolados e ainda intocados.

AIMORÉS (MG). Tempos atrás, Sebastião Salgado estava na Península Valdez, na Argentina, num barco, seguindo a baleia franca austral.

¿ Uma delas ficou nossa amiga ¿ conta.

Delita, a baleia, aproximou-se devagar. Primeiro, deixou o filhote chegar perto, depois ela própria chegou. Com seu corpo, circundou o barco.

Antes de virem para o Brasil, Lélia e ele ficaram sete semanas entre Botswana e Namíbia indo até os desertos em caminhão militar.

Recentemente, no Congo, Sebastião foi fotografar um vulcão, e ele entrou em erupção. Com helicóptero, havia subido até uma altura que permitia fotografar o espetáculo. Só que parte da água que tinham levado teve que ser deixada abaixo e foi roubada por bandoleiros instalados na região. O risco era que os bandidos fossem atrás do grupo.

Com a ajuda de um vulcanólogo, eles fizeram um perigoso caminho para uma parte mais segura, onde esperaram o resgate.

Era uma área de esfriamento recente. A técnica necessária para andar era pôr o pé e levantar rapidamente para esfriar. Se ficassem um pouco mais, dava para sentir o cheiro da sola queimada.

As histórias que cercam o cotidiano de Sebastião Salgado, de 64 anos, são sempre assim, espantosas. No projeto Êxodos, fotografou refugiados, os sem-pátria. Em Retratos, os belos rostos da diversidade humana. Agora, suas câmeras Leica e seu poderoso olhar seguem o novo, o puro: é o Projeto Gênesis.

¿ Este é o último grande projeto da minha vida. Eu e minha equipe, que ninguém trabalha sozinho, estamos indo atrás dos 46% do planeta que estão exatamente como eram no dia em que a Terra foi concebida. Como somos muito urbanos, pensamos que já tudo terminou. Não terminou. Há muita coisa preservada no planeta ¿ diz Sebastião.

¿ São as partes mais difíceis de chegar, porque as fáceis foram destruídas ¿ complementa Lélia.

O projeto é ir às florestas geladas dos extremos Sul e Norte do planeta, à Antártica, às florestas tropicais, às montanhas altas. São meses em cada reportagem, por isso, por ano, são feitas três reportagens. O projeto terá oito anos, mas, ao fim, pretende ser o maior arquivo ambiental do mundo, com o registro das partes mais remotas do planeta.

¿ Isso tudo nasceu aqui ¿ afirma ele.

O movimento foi circular: ao fotografar a pobreza no mundo, o fotógrafo notou a degradação ambiental. Voltou à terra natal para refazer a mata destruída. Ao ver a vida renascendo, decidiu fotografar os sinais do começo. Nesse ir e vir, tem uma certeza:

¿ A gente pode refazer a vida.

Lélia participa do mesmo entusiasmo. Ela edita os livros, organiza as exposições, acompanha várias viagens.

Os dois se conheceram na universidade, nos anos 60. Ele foi preso no início da ditadura, depois seguiram juntos para o exílio. Lá Sebastião Salgado decidiu largar um excelente emprego de economista para seguir a aventura da fotografia. No exílio, também nasceram os filhos. O mais velho, Juliano, é cineasta. O mais novo, Rodrigo, tem síndrome de Down, fala francês e português, é um artista plástico com uma arte sutil e sofisticada, que será exibida em outubro. Eles falam com orgulho da história de superação do ¿Digo¿.

No Instituto Terra, a volta às origens, em Aimorés

Tudo em Lélia e Sebastião é entusiasmo. A emoção está nos projetos, casos, lembranças.

¿ Voltei para o Brasil, depois da anistia, pela Guiana. A Lélia tinha preparado tudo. Quando saí, meu pai era forte, jovem ainda. Quando voltei, ele era um velho.

A vida de Sebastião Salgado foi sempre de êxodos. Ele saiu da fazenda para a cidade; de Aimorés para Vitória; da economia para a fotografia; da Europa para os cantos apartados do mundo. No Instituto Terra, ele volta, refaz o começo e encontra o sentido do seu projeto Gênesis:

¿ O que tem de mais moderno hoje é a luta contra o aquecimento global. É a proteção do planeta Terra.

Essa é a linha do Gênesis, a última e definitiva fronteira de Sebastião Salgado. (M.L.)