Título: As Agências têm que mudar em benefício do consumidor
Autor: Sampaio, Nadja
Fonte: O Globo, 12/08/2007, Economia, p. 36

Para coordenadora do Idec, educação para o consumo é grande desafio.

Ao comemorar 20 anos de existência do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Marilena Lazzarini, coordenadora executiva, avalia que foi uma história de avanços. Ela cita a melhoria de leis, principalmente nas áreas de saúde, medicamentos e alimentos, e mudança nos produtos, a partir do resultado de testes feitos pelo Idec. Para Marilena, que também é presidente mundial da Consumers International, os desafios agora são melhorar a atuação das agências reguladoras, cujas decisões são mais favoráveis às empresas, e aumentar as ações de educação para o consumo sustentável.

Nadja Sampaio

Qual a avaliação que você faz destes 20 anos de Idec?

MARILENA LAZZARINI: Foram 20 anos de avanços. Favorecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que é uma boa lei, e pela própria sociedade, que abraçou essa lei. Houve também um panorama propício para isso com a volta da democracia, a construção da cidadania brasileira. É nas pequenas questões que se constrói as grandes mudanças. Nestes 20 anos, o mundo mudou muito, na área econômica e na política. O Estado perdeu força, a economia de mercado ganhou espaço e a evolução tecnológica foi enorme. Tivemos de atuar neste cenário de permanentes mudanças.

O Idec tinha de estar sempre preparado...

LAZZARINI: Num primeiro momento, o Idec e todas as entidades se basearam em experiências de entidades estrangeiras, na forma como elas trabalhavam e se financiavam. Só que as mudanças foram muito rápidas. Por exemplo, a questão ambiental se tornou prioritária. E como é que você introduz isso na agenda da organização, quando todos os outros problemas continuam acontecendo? Não é mais apenas os conselhos sobre o que se deve prestar atenção ao comprar ou a questão do preço. Grande parte da população não tem dinheiro para comprar, mas quer ter o que é anunciado, o que gera expectativas, frustrações. E quando introduzimos a defesa ambiental praticamente estamos dizendo: consuma menos. O que parece ser uma incongruência...

E como estabelecer prioridade para os assuntos?

LAZZARINI: Com relação às orientações sobre direitos, continuamos a ter uma agenda ampla, mas, quando vamos tratar de políticas públicas, monitoramento, aí temos que escolher temas. Na nossa agenda de trabalho, elegemos alimentos, saúde, telecomunicações, medicamentos, serviços financeiros.

São assuntos relativamente novos. Não havia tantos planos de saúde, nem linhas telefônicas e tantos produtos financeiros...

LAZZARINI: Os assuntos financeiros são um problema à parte. O Idec tem tido que ampliar o atendimento nessa área porque os bancos não são controlados por ninguém. Então não é apenas o caso de informar os direitos aos consumidores. É influenciar na política, lutar por um controle maior no setor, e isso não é fácil.

É muito difícil fazer o lobby do consumidor?

LAZZARINI: É difícil porque na política de governo a defesa do consumidor não é prioridade, o que dificulta muito o trabalho de influenciar as políticas públicas. É uma contradição, porque o Brasil quer ser moderno, quer competir na economia global, mas o governo não valoriza o papel do consumidor.

Quais foram os fracassos?

LAZZARINI: Não diria que tivemos fracassos. Talvez não tenhamos conseguido tudo o que queríamos, mas avançamos.

Quais as lutas mais difíceis?

LAZZARINI: Os transgênicos são uma luta difícil, mas conseguimos a obrigatoriedade da informação nos rótulos. Nos Estados Unidos, o consumidor americano não tem nem isso. Outra luta difícil é com relação à regulamentação dos planos de saúde. A ação de inconstitucionalidade impetrada pelos bancos nos deu muito trabalho. Mas sempre vale a pena lutar. Lembro que, no início do Idec, fizemos um teste com os preservativos, na Holanda. As empresas pressionaram, apresentaram pareceres, foi muito difícil enfrentar aquela situação. Mas houve mudança na legislação, e hoje esse produto é muito melhor. O Plano Collor também foi muito complicado. Tínhamos pouca gente para atender a todos. E conseguimos desbloquear o dinheiro de mil pessoas. Esses momentos ajudaram a fazer a história do Instituto.

E qual foi a maior conquista?

LAZZARINI: A maior conquista foi viabilizar a existência do Idec num modelo independente, ético e aberto a mudanças.

Quais são os grandes desafios agora?

LAZZARINI: Um dos grandes desafios, que já está a nossa frente, é a questão da regulação dos setores. Tem que melhorar a atuação das agências reguladoras em benefício dos consumidores porque a legislação hoje pende muito para o lado das empresas. A lei que está sendo proposta no Congresso tem um capítulo que fala das agências e a lei da concorrência, mas não tem nada sobre as agências reguladoras e o sistema de defesa do consumidor. É um absurdo isso. Outro desafio é a educação para o consumo sustentável. Ou seja, conscientizar as pessoas de que a questão do meio ambiente não está somente lá na Amazônia, ela está conectada com a nossa prática da vida diária.

O consumidor é muito resistente a mudar seu comportamento?

LAZZARINI: Acho que o consumidor nem sabe qual o impacto no ambiente do uso de sacos plásticos, do desperdício na utilização de papéis. Ele até está aberto porque percebe as mudanças na natureza, no clima, mas não sabe relacionar o uso desses materiais e a degradação da natureza.

E as empresas?

LAZZARINI: As empresas têm o dever de dar exemplos com suas práticas. Aí entra a questão da responsabilidade social, que hoje ainda é muito mais marketing do que uma prática efetiva. E o governo, que é um grande consumidor, tem mais dever ainda de dar exemplo, propor medidas de conservação dos recursos naturais. O Brasil precisa se desenvolver dentro de novos parâmetros.