Título: Provisória e dispensável
Autor: Duarte, Patrícia e Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 11/08/2007, O País, p. 3

Com aumento da arrecadação, governo poderia abrir mão da CPMF, se cortasse gastos

Ogoverno move mundos para aprovar a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 2011, alegando que a taxa é indispensável para a manutenção de projetos e programas sociais, especialmente na área de saúde. Mas economistas, entidades e políticos, inclusive governistas, afirmam que o Brasil já tem condições de viver sem o tributo, desde que faça um controle rígido dos gastos públicos. O tributarista Ilan Gorin fez cálculos que indicam que o governo, se mais austero, poderia, de forma imediata, reduzir à metade a alíquota da contribuição - que abocanha 0,38% de toda movimentação financeira brasileira - compensando essa queda com a arrecadação dos outros tributos, que se expande aceleradamente.

Economistas de diversas correntes sustentam a tese do fim da CPMF, acompanhado de um ajuste nas contas, com base nos dados oficiais: os gastos totais do governo, incluindo a Previdência e em valores já atualizados pelo IPCA, cresceram R$101 bilhões de 2002 a 2006. Já descontando a CPMF, no mesmo período as receitas se ampliaram em R$123,7 bilhões. Os cálculos não incluem as despesas financeiras (inclusive juros). Mas esta questão seria equacionada com maior austeridade fiscal.

Mais R$18 bilhões, e sem contribuição

Segundo o tributarista Gorin, o governo, mesmo sem a cobrança da CPMF, deverá aumentar em quase R$18 bilhões a arrecadação de impostos este ano. Ele afirma que, considerando que a arrecadação do segundo semestre vai repetir o crescimento de 2006 (11% a mais do que nos primeiros meses do ano), a Receita Federal poderá levantar mais R$54,3 bilhões além do obtido no ano passado, sendo que R$36,5 bilhões seriam da CPMF. Ou seja, caso a CPMF fosse riscada do mapa, ainda assim o Leão abocanharia mais R$17,8 bilhões em impostos - metade da arrecadação esperada com a contribuição.

- Fiquei surpreso. Dá para perceber que a CPMF, teoricamente, não faria falta neste ano, já que em 2006 os números (despesas menos receitas do governo) fecharam. A não ser que as despesas do governo cresçam muito acima da inflação - disse Gorin.

Para a professora Margarida Gutierrez (UFRJ), só não será possível o governo abrir mão da CPMF se for mantido o ritmo de crescimento dos gastos de pessoal, custeio e Previdência que o Brasil apresenta desde 1999:

- O grande problema são os gastos crescentes e constantes. A nova fórmula do salário mínimo permite crescimento real, o que é bom, mas ao vincular 75% dos gastos previdenciários a essa variação, fica impossível reduzir o déficit previdenciário.

Ela lembrou que, mesmo com o cenário de expansão acelerada dos gastos, o governo federal conseguiu implementar, desde 2004, desonerações que, no acumulado, somam R$32 bilhões. Ou seja: há espaço para melhorar a gestão das contas públicas. É exatamente a observação do especialista Raul Velloso: a CPMF não pode ser abandonada de forma radical, mas poderia ser eliminada com planejamento. Luiz Antônio Benedito, diretor de Estudos Técnicos do Unafisco (sindicato dos auditores fiscais), informa que, desde que foi criado, em 1993, o tributo amealhou R$201,2 bilhões.

- A extinção da CPMF pode ocorrer se houver um forte corte nos gastos - afirma Velloso.

No Congresso, onde a emenda constitucional que prorroga a vigência da CPMF deve ser aprovada até novembro, parlamentares governistas e de oposição se dividem em relação à idéia de acabar com a contribuição. Mas petistas admitem que já é hora de o governo, pelo menos, reduzir a alíquota. A defesa mais enfática da eliminação imediata da contribuição é feita pelo Democratas (DEM). O deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC) é um dos coordenadores da campanha "Xô CPMF", feita pela internet.

- O aumento real de arrecadação desmente o argumento do governo - afirma Bornhausen.

Ele diz que a diminuição da carga tributária só pode ser feita quando há crescimento da economia e que, por isso, o governo tem que aproveitar o atual momento. Paulo Bornhausen apresenta dados da Fiesp para fortalecer sua argumentação. Eles indicam que a extinção da CPMF faria o Brasil crescer mais 1% do PIB, o que iria gerar mais um milhão de empregos.

- O problema é que a despesa corrente cresce três vezes mais do que a arrecadação. É preciso cortar pela metade os ministérios. E o pior é que ninguém vai sentir a falta - diz o deputado de oposição.

Petistas apóiam redução da alíquota

No PT, mesmo com a determinação do governo de não abrir mão da CPMF integral, já há grupos que defendem uma redução gradual da alíquota. O ex-relator do Orçamento Carlito Merss (PT-SC) apóia a tese. Segundo ele, essa redução seria feita até chegar ao percentual de 0,08%, para manter apenas seu caráter de fiscalização. Merss concorda que o crescimento da economia permite o corte:

- Com inflação baixa, as pessoas passaram a sentir mais o efeito da CPMF. É hora de começar a diminuir esse imposto, já que a economia está crescendo e a arrecadação melhorou.

Outro ex-relator do Orçamento, o deputado Jorge Bittar (PT-RJ) defende um debate criterioso, já que o governo se comprometeu com novas desonerações, engessando parte da receita. Bittar alerta para outros fatores: elevação de gastos devido a reajustes de servidores e o novo nível de investimentos, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC):

- Não podemos adotar medidas preciptadas. Mas acho que podemos começar a discutir uma redução gradual da CPMF e uma eventual repartição com estados e municípios.

No PSDB, é forte a crítica à manutenção da CPMF, criada no governo Fernando Henrique. Mas o partido ainda não decidiu se vai defender o fim imediato ou gradual da contribuição.

- O governo deveria abrir mão da CPMF e aprender a gastar menos. Como o Executivo não tem capacidade gerencial, vai dizer que não é possível cortar o tributo. Essa é uma falsa batalha - afirma o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE).

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