Título: Bancos e banqueiros
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 11/08/2007, Opinião, p. 7

"Não se pode perguntar ao banqueiro acumulador de dinheiro pelo objetivo da sua atividade incessante; ela é irracional", escreveu Nietzsche. Para ele, o banqueiro voraz exemplifica o "homem ativo", que é sempre um pouco irracional: "Os homens ativos rolam como pedras, conforme a estupidez da mecânica".

Nunca pensei que pudesse vir a citar Nietzsche a propósito de um assunto tão vulgar como bancos e banqueiros. Mas, enfim, a acumulação incessante e desvairada de lucros bancários é uma característica marcante da economia brasileira, confirmada pela divulgação recente dos resultados do Bradesco e do Itaú.

No Brasil, os bancos são sempre os "reis da bufunfa". Antes do Plano Real, faturavam alto com o imposto inflacionário. Quando a inflação foi derrubada, passaram a engordar com os juros da dívida pública. Agora que a época dos juros estratosféricos parece se aproximar do fim, os lucros se apóiam crescentemente nas tarifas de serviços bancários, cobradas sem dó nem piedade dos seus clientes, e na ampliação das operações de crédito para empresas e consumidores. Como ainda é muito alta a diferença entre as taxas de empréstimo e de captação dos bancos, a ampliação do crédito tem contribuído generosamente para aumentar os seus lucros.

Mas não vamos perder de vista o lado positivo. Antes os bancos ganhavam com a inflação e a dívida pública, agora eles estão financiando as atividades empresariais e o consumo. Os juros são elevados e os prazos médios, curtos, mas a oferta de crédito está em expansão. E esse é um dos fatores por trás da aceleração do crescimento econômico.

Os dados sobre produção industrial, divulgados recentemente pelo IBGE, não deixam dúvida quanto à reativação da economia. No primeiro semestre, o setor industrial cresceu 4,8% em relação ao primeiro semestre do ano passado. A produção de bens de capital aumentou nada menos que 16,7%. As projeções de crescimento do PIB em 2007 estão sendo revistas para a faixa de 5%.

O risco é de que o banco dos bancos, o Banco Central, conclua que a expansão do crédito ameaça o controle da inflação. O BC tem reações pavlovianas a qualquer sintoma de crescimento. Sempre que a economia começa a levantar a cabeça, lá vem o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) fazer alertas severos sobre os riscos inflacionários.

A última "Ata do Copom" contém vários indícios desse condicionamento pavloviano. Para o Copom, a demanda está crescendo a taxas "robustas", os sinais de "demanda aquecida" são "nítidos" e o ritmo de sua expansão "pode vir a colocar riscos para a dinâmica inflacionária". Conseqüentemente, o Copom já anuncia que, a partir de determinado momento, a flexibilização da política monetária será conduzida "com maior parcimônia".

Assim falaram as autoridades monetárias, em linguagem tortuosa e em péssimo estilo. Pior que o estilo é o conteúdo. Não há motivos visíveis para "maior parcimônia". O crescimento da economia nada tem de espetacular. Aumentou o grau de utilização da capacidade industrial, mas as margens de ociosidade ainda são consideráveis. Isso se deve em parte à criação de capacidade resultante da retomada do investimento agregado, evidenciada não apenas no já referido crescimento da produção de bens de capital, mas, também, no rápido aumento das importações de máquinas e equipamentos.

Segundo o próprio Copom, as medidas de tendência da inflação, os chamados núcleos inflacionários, mostram reduções importantes no primeiro semestre de 2007 em comparação com igual período de 2006. Acumuladas em 12 meses, as medidas de núcleo inflacionário também mostram quedas significativas. Além disso, as projeções do BC para 2007 e 2008 continuam indicando taxas de inflação abaixo do centro da meta oficial.

A posição de balanço de pagamentos é bastante forte, o que permite satisfazer parte da ampliação da demanda interna com importações. Um aumento da "parcimônia monetária" só reforçaria as pressões para a valorização do real, agravando uma tendência que já foi longe demais.

Banqueiros e bufunfeiros de todo o tipo adoram juros altos e trabalham ativa e incessantemente em prol da sua perpetuação. Ao Banco Central, cabe resistir.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net.