Título: Dos corruptos aos tontos
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 11/08/2007, O Mundo, p. 40

Se roubam, que não se descubra. Se descobrirem, que ninguém consiga provar. E se nenhuma das duas coisas for possível, que se punam os tontos. Assim pode ser resumida uma das máximas do governo Kirchner.

Isso foi aplicado ao pé da letra com a ex-ministra Felisa Miceli, que foi obrigada a renunciar não tanto pelas fortes suspeitas de corrupção que sobre ela pesavam, mas por ter demonstrado ser uma novata nesse tipo de atitude.

E parece ocorrer o mesmo com o titular do Órgão de Controle de Concessões Viárias (Occovi), Claudio Uberti, mais conhecido por ter sido o virtual embaixador do ministro Julio de Vido perante o governo Hugo Chávez.

Uberti foi demitido do cargo público por ter permitido o ingresso em um jatinho charter fretado pela empresa Enarsa do empresário venezuelano Guido Antonini Wilson, com quem se descobriu a agora famosa maleta com US$800 mil que não foram declarados ao entrar no país.

Para a Casa Rosada não parece importante que uma empresa, sustentada por dinheiro público, gaste cerca de US$90 mil com um jatinho privado no lugar de utilizar um avião comercial, ao custo de US$700 por passageiro. Também não parece preocupar o destino que ia ter a tão falada e misteriosa maleta de dinheiro.

As explicações oficiais, da mesma forma que nos últimos escândalos de corrupção, têm sido tão pouco convincentes que o imaginário popular já especula sobre um suposto repasse de dinheiro para funcionários públicos ou uma transferência de caixa dois para campanhas do governo. Também pode se tratar de uma tentativa de lavagem de dinheiro e, nesse caso, quem fretou o avião estaria agindo como cúmplice. No entanto, tudo foi resumido em uma simples infração aduaneira.

A sensação de que tinham certeza da impunidade paira sobre este e outros casos. Só assim pode-se entender que se convide desconhecidos para embarcar num avião custeado com os impostos pagos por todos os argentinos. Ou que se pretenda passar uma maleta cheia de dólares por controladores de alfândega.

Mas não passam somente por aí os questionamentos que se podem fazer a Uberti. O órgão até então sob seu comando, o Occovi, que controla as empresas concessionárias de rodovias, tem sido criticado por deficiências e demoras na resolução de questões que deveriam resultar em sanções e multas, segundo um trabalho da Universidade Católica Argentina. A partir desse estudo, a Auditoría General de la Nación descobriu que somente 2% dos casos em trâmite no órgão tiveram resolução. Em todo o caso, Uberti não seria o único responsável.

Homens do kirchnerismo deixam transparecer que Cristina Fernández de Kirchner está cada vez mais distante de De Vido. Pode ser em parte uma encenação. Mas há uma pergunta central: quantos escândalos poderá suportar sua candidatura sem que sua preferência nas pesquisas diminua?

A dúvida que é lançada é se a candidata do governo conseguirá assegurar sua vitória no primeiro turno das eleições diante da sucessão de episódios de corrupção e das perspectivas econômicas, que a cada semana são piores.

FERNANDO LABORDA é articulista do ¿La Nación¿