Título: 'É saudável que alguns fundos quebrem'
Autor:
Fonte: O Globo, 13/08/2007, Economia, p. 15

TREMOR GLOBAL: Para economista, dinheiro deve ir para bancos que são bons.

Ex-presidente do BC: crise não é sistêmica, e é desnecessário país elevar juro.

O economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central, compara a crise atual à da marcação a mercado do Brasil, em 2002. Na ocasião, houve perdas porque as carteiras de renda fixa e DI passaram a ter de divulgar suas cotas pelo real valor de mercado dos títulos, desvalorizados na época, e não mais pelo valor oficial, de face. Da mesma forma, os fundos com lastro em hipotecas não vinham informando o valor real desses papéis.

Felipe Frisch

Qual a extensão desta crise de crédito?

CARLOS THADEU DE FREITAS: Esta não é uma crise que se possa chamar de bancária ou sistêmica, como foi a de 1929, por exemplo, em que os bancos sofreram saques e as pessoas seguraram dinheiro debaixo do colchão. Quando acontece isso (uma crise sistêmica), os bancos centrais têm que injetar dinheiro na economia e baixar os juros, coisa que não foi feita na época. Essas crises são mais sérias, afetam a economia real. Já em 1987, o governo baixou os juros, injetou liquidez e conseguiu resolver. Da mesma maneira em 1998, com a crise do hedge fund LTCM (Long Term Capital Management).

Mas hoje já há quebras...

FREITAS: Mas não de bancos, de fundos, não há qualquer instituição bancária em jogo. Os investidores estão indo sacar dinheiros de fundos alavancados. Isso leva a saques dos fundos em que os investidores acham que há problemas. Ninguém sabe quanto os fundos têm de cédulas hipotecárias. É uma crise de credibilidade em títulos e na gestão dos fundos, por não se saber o quanto estão alavancados.

E o impacto para o Brasil?

FREITAS: O Brasil está isento, porque é uma crise de fundos de investimento principalmente nos Estados Unidos, de fundos que têm garantias em cédulas hipotecárias. Aqui, o Banco Central (BC) toma dinheiro no mercado todo dia, tem liquidez demais, dinheiro sobrando. Tem gente aqui achando que o BC vai ter que subir juros, mas não tem que subir nada, tem é que se preocupar com a taxa de inflação, que está baixa. Não há qualquer perda para o Brasil. É difícil saber qual a extensão dessa crise lá fora, porque muitos desses lastros não estão nem registrados. Aqui você tem a Cetip (Câmara de Custódia e Liquidação, para títulos de renda fixa).

É uma crise de marcação a mercado, então?

FREITAS: Sim, é uma crise de fundos que têm dificuldade de marcar a mercado, não sabem quais fundos têm mais ou menos dificuldade. Os bancos que precisam vão financiar quem está sacando nos seus fundos, e têm dinheiro para pagar porque os BCs estão dando. O desafio é não deixar o medo espraiar, porque as pessoas vão começar a sacar de fundos que não têm nada a ver com a crise.

Qual o papel dos bancos centrais nesta crise?

FREITAS: Eles não vão deixar a crise se espalhar porque têm poder de baixar os juros, só ainda não estão sinalizando que farão isso porque, aí, sinalizariam que estão em pânico, e não podem dar essa impressão, têm que ir devagar. Os BCs vão continuar injetando moeda no sistema, mas eles não podem pegar esses títulos (de hipotecas de alto risco) como lastro, ou vão ficar com papéis podres e estarão ajudando hedge funds que se alavancaram demais. Têm que dar dinheiro para bancos que precisam e são bons.

Vai ser suficiente injetar dinheiro?

FREITAS: As bolsas não estão caindo tanto quanto em 1987, quando chegaram a recuar 30% em poucos dias nos EUA. Foi quando introduziram o circuit breaker, que interrompia o pregão quando a queda chegava a 10% no dia. Aqui e lá fora, as bolsas ainda estão em alta no ano. Não é uma crise de bolsa, mas de fundos. É uma crise de crédito securitizável (vendido a terceiros), que só se resolve quando o BC dá liquidez e alguns fundos vão quebrando. É até saudável que alguns fundos quebrem, os que carregam esses papéis podres. Os BCs não têm regulação sobre estes fundos, só sobre os bancos, que emprestam dinheiro a eles.