Título: O resgate de uma dívida
Autor: Krivochein, Tito Livio Rondon
Fonte: O Globo, 14/08/2007, Opinião, p. 7

Preconceito e exclusão. Essas duas palavras são velhas conhecidas dos portadores de hanseníase, vulgarmente conhecida como lepra. Mas, felizmente, têm sido combatidas, e não apenas por organizações não-governamentais. Desde 1986, os serviços de saúde no Brasil vêm se estruturando para enfrentar a doença. E, no fim de maio, o governo federal tomou uma decisão que encheu de esperança milhares de pessoas.

A medida provisória 373, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é um importante marco para o resgate da cidadania e a inserção social desses excluídos. A MP autoriza o pagamento de pensão indenizatória vitalícia, de caráter pessoal e intransferível, no valor de R$750 mensais, para pessoas atingidas pela hanseníase e que viveram isoladas em hospitais-colônia. A medida busca resgatar parte de uma extensa dívida social com esses cidadãos e deverá proporcionar segurança de rendimento, autonomia e acolhida.

No Hospital-Colônia do Curupaiti, atual Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária, em Jacarepaguá, 432 pacientes de hanseníase curados que apresentam seqüelas da doença aguardam ansiosos a conclusão do processo que decidirá quem tem direito ao recebimento da indenização. O Ministério da Saúde deverá compor um grupo de trabalho interministerial, que vai analisar os requerimentos de todos que solicitarem o benefício. Depois, será elaborado um relatório sobre a situação de 33 ex-colônias de portadores de hanseníase, revelando o número de pessoas que ainda vivem nesses locais e sua situação socioeconômica.

O valor contribuirá também para melhorar a vida em comunidade. O ambiente no Curupaiti, por exemplo, é marcado pela solidariedade. A área no entorno do hospital - que, no fim da década de 30, era um local de isolamento obrigatório dos portadores de hanseníase - é habitada por cidadãos que superaram o preconceito. Ao longo dos 60 anos de isolamento, descendentes de hansenianos ocuparam o espaço de um milhão de hectares ao redor da unidade. Hoje, vivem no Curupaiti cerca de três mil pessoas, que contam com a ajuda da sociedade civil para viver melhor. Lá, existem grupos de estudos, bibliotecas, rádio comunitária, laboratórios de informática e creches. Crianças recebem aulas de judô, balé e reforço escolar.

A vida nas ex-colônias é intensa - mas, do lado de fora, a sociedade ainda teme a hanseníase. Esse temor está relacionado ao velho mito de que a doença seria crônica e facilmente transmissível. Até 1969, a hanseníase era catalogada como incurável, embora sua cura tivesse sido descoberta na década de 40. Diferentemente do que muita gente pensa, a doença não se transmite com facilidade nem é hereditária. E, desde 1991, a poliquimioterapia - terapia com múltiplos medicamentos - está disponível nos postos de saúde. O tratamento dura um ano, não necessita de internação e é gratuito.

Prestar um tratamento humanitário e de qualidade aos portadores de hanseníase é uma das metas do governo do Estado do Rio de Janeiro. Com o apoio do Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil vem trabalhando para atingir o objetivo do Plano Nacional de Eliminação da Hanseníase (PNEH): eliminar a doença até 2010, chegando a um caso para cada dez mil habitantes.

Atuando nessas duas frentes - ajuda financeira para quem viveu isolado em hospitais-colônias e combate à doença - o Brasil contribui para o resgate da dívida social com os ex-portadores de hanseníase. E, também, para que viremos de vez a página do preconceito, do descaso e da doença.

TITO LIVIO RONDON KRIVOCHEIN é diretor do Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária (Curupaiti) da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.