Título: Crédito de emergência
Autor: Rosa, Bruno e Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 14/08/2007, Economia, p. 19

BCs injetam mais US$73 bi nos mercados, mas Nova York e Bovespa recuam no fim do dia.

Depois de os bancos centrais da Europa terem se reunido no fim de semana com altos executivos da área financeiro, houve uma nova intervenção conjunta ontem nos mercados, pelo terceiro dia útil consecutivo. O volume ficou em US$73 bilhões, abaixo do total de quinta e sexta-feira, de cerca de US$300 bilhões, mostrando que os investidores já começaram a se acalmar. A intervenção começou pelo Banco do Japão, que colocou à disposição do sistema bancário do país 600 bilhões de ienes (US$5,1 bilhões). O BC japonês foi seguido pelo Banco Central Europeu (BCE), que colocou 47,67 bilhões (US$65,29 bilhões) em fundos overnight. Já o Federal Reserve (Fed, o BC americano) injetou US$2 bilhões. O Banco do Canadá colocou 670 milhões de dólares canadenses (US$638 milhões) no mercado. Mas hoje, logo após a abertura dos mercados asiáticos, o BC japonês decidiu retirar a mesma quantia que colocara na véspera. Para analistas, isso significa que o pior da crise já passou.

A ação do BC japonês ontem e a declaração dos dirigentes dos bancos centrais da Coréia do Sul, Índia, Filipinas, Indonésia, Cingapura e Malásia se dizendo dispostos e preparados a injetar quantias equivalentes em seus sistemas para evitar um colapso dos bancos seguraram as bolsas de valores asiáticas, que fecharam em alta.

O vice-ministro das Finanças da Coréia do Sul, Kim Seok Dong, afirmou que o governo estava pronto para fornecer crédito emergencial se fosse necessário. Ele informou ainda que bancos e seguradoras do país investiram US$850 milhões em títulos lastreados em hipotecas de alto risco (as chamadas subprime) nos EUA:

- Se houver qualquer sinal de aperto no crédito, estamos prontos para prover o mercado com liquidez.

A segunda-feira foi de recuperação na Ásia, com a Bolsa de Tóquio fechando em alta de 0,21%, enquanto a da Austrália subiu 1,04%, e a de Seul, 1,14%. A Bolsa de Xangai não foi afetada pela notícia de que a inflação na China atingira 5,6% em julho, a maior taxa dos últimos dez anos, e fechou em alta de 1,49%. Em Tóquio, nem mesmo a notícia de que a economia japonesa cresceu somente 0,5% no segundo trimestre, depois da alta de 3,3% no primeiro, derrubou a bolsa.

Dólar recua 0,36%, para R$1,944

Na Europa, Londres, Frankfurt e Paris subiram, respectivamente, 2,99%, 1,78% e 2,21%. Wall Street abriu o dia em alta. O otimismo foi impulsionado pelas vendas no varejo em julho, que avançaram 0,3%, ante expectativa de 0,2%. Mas, ao longo do dia, o medo de que a crise no setor de subprime se alastre pela economia derrubou os papéis do setor financeiro. Assim, o Dow Jones fechou em queda de 0,02%. Nasdaq e S&P recuaram 0,10% e 0,05%, respectivamente.

- Não há explicação para o movimento. A volatilidade é ocasionada pela incerteza. Os investidores vendem seus papéis porque não sabem como será o dia seguinte - diz Ivo Chermont, economista da Modal Asset.

A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) acompanhou o movimento dos índices americanos e fechou em queda de 0,39%, aos 52.434 pontos. Durante os negócios, chegou a subir quase 2%. Segundo analistas, investidores venderam os papéis próximo ao encerramento dos negócios porque temem que novas instituições financeiras anunciem mais problemas em suas carteiras de crédito. A aversão a risco e, conseqüentemente, a saída de investidores estrangeiros do país fizeram o risco-Brasil avançar 3,24%, para 191 pontos centesimais.

O dólar encerrou os negócios em queda de 0,36%, cotado a R$1,944. Segundo analistas, os investidores compraram moeda para se proteger das oscilações da divisa.

Para analistas asiáticos, os BCs de EUA, União Européia, Canadá e Japão agiram acertadamente ao injetar US$300 bilhões em seus sistemas bancários de maneira rápida na semana passada. Tal ação coordenada ajudou o mercado a manter a calma e apostar que a crise do setor de subprime não se transformará numa crise sistêmica, derrubando bancos ao redor do planeta.

Segundo analistas, um aperto global do crédito parece ter sido evitado por enquanto. Mas, até que seja revelada a verdadeira extensão das perdas no setor de subprime, os mercados ficarão na defensiva.

- O que está desaparecendo é o sintoma. O problema (subprime) permanece - disse Lou Crandall, economista-chefe da Wrightson ICAP.

Ontem, a corretora Panmure Gordon disse que o britânico Barclays, na disputa pela compra do ABN Amro, pode apresentar riscos relacionados a empréstimos concedidos a fundos alavancados e de capital privado. Segundo relatório da companhia, o que era uma fonte de crescimento poderá se transformar em zona de fraqueza.

José Marcio Camargo, economista da PUC-Rio e sócio da Tendências, acredita que a volatilidade vai continuar com força. Segundo ele, os BCs vão intervir enquanto a liquidez não estiver restabelecida.

- A dúvida é quanto isso vai afetar a economia real. Caso os EUA entrem em recessão, o superávit brasileiro poderia cair significativamente, provocando, por exemplo, uma desvalorização cambial - afirma Camargo.

Unipar: CVM analisa movimento de ações

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem em São Paulo que a turbulência não deve interferir no processo de queda dos juros básicos no país. Segundo ele, não há indícios até o momento de pressões inflacionárias, nem do lado dos importados nem dos preços administrados.

O banco de investimento Lehman Brothers disse ontem que a oferta de commodities poderá diminuir após as mineradoras e empresas do setor de combustíveis reduzirem investimentos devido à crise mundial do setor de crédito. E o Goldman Sachs informou que vai injetar, junto com outros investidores, US$3 bilhões em um fundo hedge que registrou perdas de 30% devido à turbulência dos últimos dias.

Em meio ao sobe-e-desce da Bolsa, as corretoras têm tido trabalho redobrado para atender aos clientes e acompanhar as oscilações dos principais pregões do mundo. André Segadilha, chefe do departamento de análise da Corretora Prosper, acompanhou os índices no fim de semana.

- O mercado está muito nervoso. A Bovespa continua muito vinculada ao cenário internacional. Muitos cliente ligam cheios de dúvidas. Por isso, não se pode deixar de acompanhar as notícias em tempo real. O principal é entender que as empresas brasileiras continuam bem. Mas o estresse é grande - desabafa Segadilha.

Já a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu analisar o comportamento das ações da Unipar, que sábado divulgou comunicado confirmando as negociações com a Petrobras para criação da Companhia Petroquímica do Sudeste (CPS), reunindo os ativos das duas empresas na região. A notícia sobre a criação da CPS surgiu na última terça-feira, dia 7, após as declarações do presidente da Unipar, Roberto Garcia, da sua intenção de fazer parte de um grupo forte no Sudeste. Nesse dia, as ações da Unipar subiram 10,29%.

Segundo o superintendente de Relações com o Mercado e Intermediários da CVM, Waldir de Jesus Nobre, é preciso cruzar os movimentos de mercado, mas ainda não há uma investigação específica:

- O setor caiu no filtro várias vezes semana passada, mas seria leviano se eu dissesse que houve vazamento.

(*) Correspondente, com Felipe Frisch, Ronaldo D"Ercole e agências internacionais