Título: O bode dos tucanos
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 15/08/2007, O Globo, p. 2

O primeiro teste da emenda que prorroga a CPMF até 2011 indicou claramente o quanto o governo vai penar para aprová-la. Mais de 50 deputados queriam discursar na Comissão de Constituição e Justiça, que não chegou a dar início à votação. A sessão do plenário interrompeu a reunião, mas o pulso foi tomado. O DEM oficializou o fechamento de questão para votar contra.

E, com isso, o governo passa a depender fortemente dos tucanos, não ainda na Câmara, onde, aos trancos, barrancos e concessões, deve conseguir a aprovação. Mas, no Senado, fatalmente estará nas mãos do PSDB, que, ao contrário do DEM, não fechou questão, preferindo esticar a corda ao máximo, impondo uma derrota só parcial ao governo, mas com ganhos para os estados. Essa é a estratégia dos governadores, e em particular dos governadores que não querem acabar agora com um imposto de que poderão desfrutar na Presidência. Serra e Aécio. A estratégia de esticar a corda, ou colocar bode na sala, consiste em ir à undécima hora com a ameaça de impor ao governo duas derrotas: a redução da alíquota (de 0,38% para 0,20%) e o compartilhamento das receitas (20% para os estados, 10% para os municípios). Ameaçando com as duas, os tucanos esperam forçar a negociação da partilha. Hoje, o governo não admite sequer pensar nessa hipótese, mas, como não pode contar com o milagre da multiplicação dos votos, essa hora chegará, quando a emenda chegar ao Senado.

Uma outra hipótese de aprovar a emenda sem concessões seria, paradoxalmente, no caso de agravamento da turbulência econômica externa, provocada pela crise de crédito nos Estados Unidos. O perigo, se bem explorado, pode funcionar a favor do governo. Se há crise, dizia ontem uma fonte da área econômica, é lógico esperar que o Congresso seja solidário com o governo, aprovando uma medida que ajuda no seu enfrentamento. Ajuda porque mantém o plano fiscal do governo intacto.

Isso faz supor que, se a crise prolongar-se, o governo poderia brandir essa arma, fazer uso político dela para dobrar as resistências do Congresso. Mas ele mesmo não conta com isso. Seu cálculo é de que a crise deve passar logo, e que a economia brasileira vai atravessá-la incólume. Se durar um pouco mais, desde que não afete o Brasil, pode até funcionar a favor da aprovação da emenda na Câmara, mas não no Senado, onde a votação só acontecerá mais para o fim do ano. Uma crise que durasse tanto não pouparia ninguém, por mais que o ministro Mantega diga ter bala na agulha.

Se o jogo começa duro na Câmara, imagine-se como será no Senado, onde o caso Renan Calheiros vem acirrando o relacionamento com a oposição (que ele ontem tratou de adular). E o governo precisará dela para alcançar o quórum de 49 votos. Nessa hora, os tucanos vão pôr em prática a teoria do bode.

Cesar Maia x Suplicy

Continua rendendo a revelação de documentos do Ciex, de que o embaixador Jacques Guilbaud (Guiné Conacri) colaborou com a repressão quando servia no serviço secreto diplomático no Chile e em Portugal. Em resposta a uma carta do senador Eduardo Suplicy, justificando a não-revisão da indicação pela Comissão de Relações Exteriores, como cobrara, o prefeito Cesar Maia disparou-lhe ontem este e-mail que é um dardo flamejante:

"Esse dedo-duro é muito cara-de-pau. Ele foi dedo-duro no Chile e em outros lugares, como agora confirmou o relatório do Ciex publicado pelo "Correio Braziliense". E os que foram presos, torturados e mortos, direta ou indiretamente, pela ação dele ? Aqueles que foram presos, condenados, torturados, perdendo anos de vida na prisão, não podem se conformar com tamanha omissão de nosso Senado Federal. A democratização do Brasil foi produto de luta. Não foi concedida. Apesar dos Guilbauds. É triste que um homem público de sua dimensão ainda dê bola para esse sujeito eticamente desclassificável. Esses crimes ignóbeis não se pagam, são mais sujos, pelo ocultamento, que os de um policial ou militar repressor. V. Excia fique com a sua consciência. Eu ficarei com a minha."

Em sua carta, Suplicy remete-se às negativas do embaixador quando ouvido pelo Senado.

MEMÓRIA PESSOAL: Voltei ao prédio do Ipea, depois de 30 anos, para a posse de Marcio Pochmann na presidência do instituto. Andando por caminhos vários antes do jornalismo, fui, por algum tempo, há muito tempo, modesta servidora administrativa do Ipea. De lá tirou-me a repressão política. Lá, convivi com muitas pessoas que me enriqueceram, e que evoco na saudade de Eduardo Martini. A posse ontem foi no auditório do subsolo. Nos anos 70, os primeiros oito andares do prédio eram ocupados pela Polícia Federal. Os outros cinco, pelo Ipea, que hoje toma todos eles. No auditório, então protegido por pesadas cortinas pretas, os agentes da Censura Federal assistiam aos filmes que poderiam liberar, liberar com cortes ou proibir. Muitas vezes, eu e uma amiga descíamos sorrateiramente as escadas e, pela fresta da aba da cortina, víamos trechos dos filmes, antevendo aqueles que jamais chegariam às telas. Pela graça da democracia, desci aquelas escadas ontem, para uma solenidade em que os três oradores (Pochmann, o ministro Mangabeira e o presidente que sai, Luiz Henrique Proença) homenagearam o pensamento pluralista e o dissenso.