Título: Dólar encosta em R$2 e BC fica fora do mercado
Autor: Frish, Felipe
Fonte: O Globo, 15/08/2007, Economia, p. 23

Com nova queda das bolsas mundiais devido à crise imobiliária nos EUA, moeda sobe 2,11%. Bovespa cai 2,9%.

RIO, FRANKFURT e NOVA YORK. Pela primeira vez em quase um ano, o Banco Central (BC) não comprou dólares no mercado, como vinha fazendo diariamente em sessões normais (sem feriados regionais, que alteram o volume), com a moeda voltando a se aproximar dos R$2, o pior nível da crise detonada pelas hipotecas de alto risco (as chamadas subprime) nos Estados Unidos. Na máxima do dia, a moeda americana chegou a bater R$1,999, mas encerrou a R$1,985, com alta de 2,11%. É a maior cotação desde 14 de maio. Desde o início da atual turbulência, em 24 de julho, o dólar já acumula alta de 7,76%.

- O BC não quis chancelar a volatilidade extrema de hoje (ontem) - avalia Jorge Knauer, gerente de câmbio do banco Prosper.

Para ele, como a justificativa do governo para entrar no mercado diariamente é compor reservas - e não segurar a queda que a moeda vinha tendo no ano -, não precisaria comprar dólar a quase R$2. As reservas atuais são estimadas em mais de US$160 bilhões. Para Knauer, no entanto, o movimento do dia foi desencadeado pelo rompimento do teto estabelecido por tesourarias de grandes instituições, que desencadearam novas compras da moeda americana e uma alta ainda maior no dia.

- O dia estava até tranqüilo com as intervenções dos BCs estrangeiros e a interrupção nas ofertas de recursos pelos do Japão e da Austrália, indicando que a situação não era tão grave - avalia Álvaro Bandeira, economista-chefe da corretora Ágora.

Analistas estimam prejuízo de US$3 bi para Citigroup

Outra barreira psicológica que quase foi testada ontem foi a dos 50 mil pontos do Ibovespa, o principal indicador do mercado de ações. O índice encerrou os negócios na mínima do dia, aos 50.911 pontos, com perda de 2,90%, para o menor nível desde 24 de maio. É o novo piso da crise, com queda acumulada de 12,28%.

Os investidores continuam nervosos com o desdobramento da crise do subprime, nos EUA. Ontem, mais um fundo pediu congelamento de resgates: o Sentinel Management Group. O fundo tem ativos de US$1,5 bilhão. Além disso, o banco suíço UBS informou ao mercado que o desempenho do seu banco de investimento poderá ser afetado pelas turbulências do mercado, derrubando os papéis do setor financeiro na Europa, cujas bolsas fecharam em queda.

O Banco Central Europeu (BCE) fez sua quarta intervenção nos mercados ontem, com 7,7 bilhões (US$10,4 bilhões), bem abaixo das anteriores. O presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, pediu calma aos investidores. Antes da abertura dos mercados americanos, ele disse que a situação está "lentamente voltando ao normal".

Bovespa já perdeu R$241 bi com crise nos EUA

Mesmo assim, muitos investidores estão preocupados. O Citigroup, segundo analistas da Sanford C. Bernstein & Co., pode registrar um prejuízo em torno de US$3 bilhões no terceiro trimestre devido à crise do subprime.

Em Wall Street, os investidores mostraram preocupação com os reflexos do subprime na economia real. A gigante do varejo Wal-Mart divulgou lucro maior, de US$3,1 bilhões, mas abaixo das estimativas dos analistas. Suas ações caíram 5%. O diretor-executivo do grupo, Lee Scott, responsabilizou a pressão econômica global pelo resultado decepcionante:

- Não é segredo que muitos consumidores estão ficando sem dinheiro no fim do mês.

Já a rede de material de bricolagem Home Depot foi categórica: a crise imobiliária americana reduziu seu lucro em 21% no primeiro semestre fiscal (de fevereiro a julho), para US$2,6 bilhões. Os papéis da empresa recuaram 4,9%.

Esses resultados, mais a queda 14% na concessão de financiamentos imobiliários pela Countrywide em junho, fizeram o índice Dow Jones fechar em queda de 1,57%.

A bolsa brasileira já perdeu 11,72% de seu valor de mercado nesse período. Isso significa uma perda de R$241 bilhões dos R$2,055 trilhões que valiam somadas as empresas de capital aberto com ações mais negociadas, segundo dados da consultoria Economática. O risco-país subiu 3,14%, para 197 pontos.

Diante da venda generalizada de ações pelos investidores estrangeiros, algumas ações bem que tentaram resistir à queda, como as da Petrobras, após o anúncio do resultado bem recebido pelo mercado na segunda-feira, destaca o analista Gustavo Barbeito. As ações chegaram a subir 2,58% no dia, mas encerraram em queda de 0,94%.