Título: TSE x Congresso
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 16/08/2007, O Globo, p. 2

Pela terceira vez, o Congresso aprova às pressas uma regra de funcionamento do sistema político para evitar que o TSE imponha seu ponto de vista. O TSE tem insistido em legislar, dizem os congressistas. Quando o Congresso não decide, o TSE interpreta a Constituição, dizem os ministros. O projeto de fidelidade partidária aprovado pela Câmara não coincide com a radicalidade do tribunal, mas é melhor do que a regra atual. Seu defeito é deixar a porta aberta para o TSE legislar.

A interpretação do tribunal eleitoral, de que o mandato pertence ao partido, devendo perder o mandato para o suplente o parlamentar que mudar de filiação, coincide com o sentimento dos eleitores, cansados do troca-troca, de votar em candidato de um partido que, depois de eleito, entra para outro, desrespeitando sua vontade.

Em outro momento importante, o TSE legislou contra a fidelidade partidária para atender ao clamor das ruas. Foi em 1984, quando decidiu que seriam válidos os votos dos parlamentares do PDS que votassem contra o candidato do partido (Maluf) no Colégio Eleitoral. Nem seriam por isso punidos com expulsão. Ali a fidelidade foi rompida, em favor da redemocratização, e os partidos nunca mais se renderam a ela.

Desde 2002 o TSE tem interferido na normatização dos partidos e das eleições, em parte por culpa do Congresso, que deixa as questões mal resolvidas. Assim foi em 2002, quando impôs a verticalização das coligações. Em 2006, o Congresso reagiu e anulou a interpretação do TSE, aprovando emenda constitucional de sentido oposto. Depois o TSE estabeleceu uma forma de repartir os recursos do fundo partidário de forma mais equânime entre os partidos, favorecendo grandemente os pequenos. Os grandes reagiram e o Congresso aprovou outra norma, dividindo parte dos recursos igualmente e parte segundo a votação obtida. Este ano, tal como já avisado pelo ministro Marco Aurélio, inclusive aqui na coluna, o tribunal fez norma de seu entendimento sobre a fidelidade.

A disputa de papéis entre os poderes não é o caos, mas não é bom sinal. Indica imaturidade das instituições políticas. Quando o TSE legisla porque falta clareza na lei, o Congresso discorda e o assunto vai ao STF, que não tem prazo para decidir, está criada uma incerteza política, ainda que passageira.

Agora mesmo, o STF vinha evitando julgar a ação da oposição pela imediata cassação dos 38 deputados que mudaram de partido este ano. O projeto aprovado anteontem destinou-se principalmente a salvar seus mandatos, ameaçados pela decisão do Supremo. Talvez seus ministros torcessem para que o Congresso fizesse logo o que fez. Três deles são também do TSE, sendo que dois apoiaram a interpretação de Marco Aurélio, que só precisava, no STF, do endosso de três ministros. E, com isso, estaria decretada a cassação de 38 mandatos. Talvez o STF não desejasse essa conseqüência. Afinal, a farra partidária já foi até maior no governo passado e não houve punição. Afinal, os 38 mudaram antes da interpretação adotada. Talvez também a maioria do STF pensasse como o deputado Ibsen Pinheiro, para quem a Constituição não dá guarida alguma à perda de mandato por mudança de partido. Neste caso, não gostariam de trombar com TSE. Para o Supremo, é o rumor corrente, a decisão do Congresso foi um alívio. O projeto aprovado, do deputado Luciano de Castro, não torna automática a perda do mandato do deputado migrante, que deve ser pedida e decidida pela pela Justiça Eleitoral. Mas pune-o com a inelegibilidade por quatro anos. O presidente do DEM, Rodrigo Maia, diz que no Senado a oposição não o deixará passar. Mas o ruim mesmo é que, pela redação aprovada, há espaço para o TSE voltar a legislar sobre o assunto, reabrindo o conflito.