Título: CVM quer disciplinar atuação de jornalistas
Autor: Frisch, Felipe e Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 16/08/2007, Economia, p. 25

Mudança na instrução para analistas prevê normas para as reportagens. ABI considera atitude uma face da ditadura.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu, ontem, consulta pública para atualizar a Instrução 388, que regula a atividade de analista de mercado. E aproveitou para disciplinar o jornalismo voltado para a cobertura do mercado financeiro. Segundo a CVM, são apenas propostas que serão discutidas com a sociedade e as entidades de classe, mas a autarquia deixou claro que a atuação dos jornalistas será alvo da comissão reguladora do mercado.

- Esse é um movimento que já existe na Comunidade Européia e temos que começar a discutir esse assunto no Brasil - disse Aline Santos, superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM.

Entidades como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Associação Brasileira de Imprensa (ABI) já estão se mobilizando para impedir que a tentativa da CVM vá adiante. Para o presidente da ABI, Maurício Azêdo, a iniciativa da comissão tem "a face da ditadura", superada em 1985.

- Já houve precedente semelhante há cerca de um ano, com a tentativa da CVM de condicionar o noticiário, intimando a direção de um jornal especializado. Essa medida traduz um desrespeito à Constituição, que determina a plena liberdade de imprensa.

Comissão afirma que pode regular essa atividade

Azêdo lembra que há ampla legislação regulando a atividade jornalística, e que uma instrução não pode se sobrepor à Constituição:

- A CVM se excede na apreciação dessa questão. Eles têm uma limitação até cultural ao não discernir análise de mercado de informação jornalística. Vamos nos pronunciar.

Aline afirma, porém, que a instrução tem respaldo legal, já que a CVM regula a atuação de analista de mercado. Portanto, se o jornalista fizer esse papel sem o devido registro na comissão, está exercendo uma atividade ilegal. Segundo Aline, já há processos envolvendo jornalistas na comissão.

- Nosso principal interesse é encontrar um ponto de equilíbrio numa atividade que é extremamente útil para o mercado de capitais. A atuação ilegal num veículo de imprensa gera desconforto em todo o mundo - afirma Aline.

A instrução, assinada pela nova presidente da CVM, Maria Helena Santana, libera jornalistas que recomendem investimentos em determinados papéis do registro de analista de mercado, mas obedecendo a normas estabelecidas na regulação. Nessa minuta, a CVM propõe que as normas de conduta da classe jornalística "determinem que os fatos sejam claramente distinguidos das interpretações, estimativas, opiniões ou qualquer outro tipo de informação não factual".

Fenaj afirma que não aceitará intervenção

A norma também quer impor restrições para negociação de ações por jornalistas que fizerem recomendações. Ou seja, evitar que o jornalista venda ações e recomende a compra desses mesmos papéis aos leitores.

Nessa consulta, a CVM pergunta à sociedade: "as normas de conduta profissional aplicáveis aos jornalistas são suficientes para evitar possibilidade de abuso?".

O diretor de Mobilização da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), José Carlos Torves, até ontem não tinha tomado conhecimento das propostas da CVM e disse que a instituição "fará movimento para ser ouvida".

- Não aceitamos intervenção do governo. O acesso a informações de interesse público que mexam com a ordem econômica do país não pode ser cerceado -- disse.

Além de disciplinar a atuação de jornalistas, a proposta da comissão obriga que as corretoras que distribuem relatórios estrangeiros se enquadrem às regras previstas na instrução, mesmo que o relatório tenha sido elaborado no exterior. A minuta traz, ainda, a distinção do analista de corretoras de valores dos mesmos profissionais de gestoras de fundos.

A íntegra do edital com a Instrução 388 está disponível no site da CVM (www.cvm.gov.br) e as sugestões poderão ser enviadas até o dia 17 de setembro.