Título: 'Devolvam minhas maiores jóias'
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 17/08/2007, O País, p. 3

Empresário perdeu a mulher e ainda espera filho ser reconhecido.

O empresário Ildercler Poncedeleão, de Manaus, é uma vítima dupla da tragédia com o avião da TAM no Aeroporto de Congonhas. No acidente morreram sua mulher, Jamille, de 21 anos, e seu filho, Levi, de 1 ano e 8 meses. O corpo da mulher já foi reconhecido, mas não o do bebê, que, por seu tamanho e baixa constituição óssea, pode não ter resistido aos mil graus centígrados da explosão. Até ontem à tarde, o menino era uma das quatro vítimas ainda não identificadas pelo Instituto Médico-Legal de São Paulo.

Adauri Antunes Barbosa

Como foi passar este mês sem a mulher e o filho de 1 ano e 8 meses?

ILDERCLER PONCEDELEÃO: Imagine o vazio. Um mês da tragédia e ainda nem começou a dor. Eu ainda vou chegar à minha casa e encontrar o circo desarmado, onde estavam meu bebezinho e a minha esposa. Para mim, ainda vou encontrá-los lá.

Essa dor pode ter fim?

PONCEDELEÃO: Imagina que tu tens um filhinho de 1 ano e 8 meses e te diz: "Boa noite, senhor". Essa é uma dor que não vai passar em 70, 80, 90 anos, vai consumir minha vida. Essa dor é irreparável. É o fim do impossível. Eu era o homem mais feliz deste mundo. Eu amava e tinha certeza de que era amado. Perdi tudo. Minha família foi destruída. É como eu me sinto, esperando agora encontrar meu Levizinho, o que sobrou dele. A próxima angústia que está me assolando é no que eu e minha esposa confiamos, a ressurreição. Em Deus abrir sua boca e mandar sair de seus túmulos os mortos.

O senhor viu o acidente em que morreram sua mulher e seu filho?

PONCEDELEÃO: Eu testemunhei o acidente. Estava na pista, a aproximadamente 50 metros, quando o avião bateu. E bateu na pista fora do ponto e com uma velocidade fora do normal. Então, foi culpa conjunta. A culpa é em conjunto. Mas o maior culpado é o governo federal, que sabe muito bem que esse aeroporto não tem condição nenhuma de abrigar aeronaves grandes.

Como o senhor avalia as negociações de assistência, de seguro, de indenização?

PONCEDELEÃO: Você fala em indenização, mas quanto custa uma vida? Se a TAM me der toda a sua frota, devolvo a eles e mais tudo o que tenho para que devolvam minhas maiores jóias que foram arrancadas de mim. Hoje eu luto, grito desesperado como louco, em busca da minha amada e do corpo meu filho.

O senhor está conversando com a TAM sobre as indenizações?

PONCEDELEÃO: Nós temos um Código de Defesa do Consumidor. A TAM tem uma apólice de seguros. Será feito o justo. Não é a TAM que vai fazer Justiça. O ministro (Nelson Jobim, da Defesa) esteve aqui, outras autoridades virão. Eu pergunto: se fosse um filho dessas autoridades, como eles se sentiriam? Tenho certeza de que não só eles, mas o mundo foi abalado. E, se o homem não fizer, as pedras vão clamar. Isso eu tenho certeza.

O governo é mais culpado que a empresa ou o fabricante do avião?

PONCEDELEÃO: Com certeza absoluta. O governo federal é mais culpado que a própria TAM. O governo diz que vai fazer as mudanças, vai inovar os equipamentos da vigilância aérea que estão superultrapassados, e tem colocado pessoas que não têm competência.