Título: Um mês depois, ainda o medo
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 17/08/2007, O País, p. 3

Vizinhos do Aeroporto de Congonhas e famílias das vítimas enfrentam dor e trauma.

Oque antes era apenas um misto de receio e perturbação, provocado pelo barulho das turbinas, transformou-se em martírio para quem ainda mora na vizinhança do Aeroporto de Congonhas. Um mês depois da tragédia com o Airbus da TAM, na qual morreram 199 pessoas, moradores da região não só estão muito mais assustados como tentam deixar o bairro. Vizinhos do antigo terminal de cargas da TAM Express, atingido pelo Airbus e que desmoronou no impacto, começam a arrumar as malas e já procuram outros endereços para se instalar.

- Moro de aluguel e até estava negociando a compra do apartamento. Mas, depois de tudo o que aconteceu, não há quem me faça continuar aqui - disse o diretor de recursos humanos Alexandre Bustamante, que mora num prédio exatamente atrás de onde funcionava a TAM Express. Uma rua separa o edifício do local do impacto.

- Eu estava na janela, tomando uma cerveja, quando vi o bico do avião vindo na minha direção. Assim que ele bateu no prédio e explodiu, eu me joguei debaixo da mesa. O calor dentro do meu apartamento foi insuportável - disse ele, que já está procurando outro lugar para morar. - Minha mulher, que mora em Santa Catarina, já falou que tenho que sair daqui o quanto antes.

As cenas do desastre e o barulho das explosões continuam em sua memória:

- Nos primeiros dias depois do acidente, acordava no sobressalto quando ouvia o barulho de turbinas das primeiras decolagens, às seis da manhã - diz Bustamante.

Escombros, poeira e muita incerteza

Da sacada do apartamento, a visão é ainda devastadora. Homens e máquinas trabalham nos escombros cercados por tapumes, cheios de ferro retorcido e o que restou de colunas em concreto. O prédio foi implodido. A poeira ainda paira sobre o terreno, onde será erguida uma praça em homenagem às vítimas. Seguranças impedem o trânsito de pedestres na área. A idéia da construção de uma praça, ou um memorial, como pretende a prefeitura, preocupa os moradores.

- Todos sabem que praça em São Paulo é lugar de desocupados. Se não tiver segurança, vamos ter um problema a mais. Como se não bastasse ficar na rota desses monstros (aviões), ainda podemos perder o sossego de vez - diz Maria Aparecida Nogueira, secretária de um escritório ainda interditado pela Defesa Civil. - Se o posto de gasolina (ao lado do prédio da TAM Express) explodisse, tudo iria pelos ares - diz ela, que saiu do escritório 20 minutos antes do acidente.

Aparecida acompanhou a tragédia pela TV, já em casa, também perto dali. Chorou muito. Com a implosão do prédio, há duas semanas, ela se deparou com outro problema: rachaduras na casa onde funciona o escritório.

- Esse terreno é uma marca da dor de muita gente, é difícil conviver.

Também nos arredores do prédio da TAM, o ambulante Sílvio César Loska contabiliza os prejuízos depois que teve de se mudar com seu trailer de cachorro-quente. Ele atendia na calçada onde funcionava o terminal de cargas - muitos funcionários eram seus clientes. Hoje, passa os dias praticamente sem clientela.

- Chegava a ganhar entre R$350 e R$400 num dia. Agora, depois que esse bairro ficou fantasma, é difícil fazer R$150 - disse Loska, emocionado ao lembrar que uma de suas clientes, a funcionária do terminal Michelle Silveira Unterberger, pulou para a morte enquanto o prédio pegava fogo.

O ambulante estava no trailler quando houve a colisão. Conta que se jogou no chão e, depois, saiu correndo com medo do incêndio.

- De vez em quando, olho para o terreno e vem à minha cabeça aquele fogaréu. E isso me deixa triste.