Título: O PT e sua ferida
Autor:
Fonte: O Globo, 28/08/2007, O Globo, p. 2

José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino agora serão réus em processo no STF, acusados de corrupção ativa pelo procurador-geral. A denúncia de formação de quadrilha ainda pode ser também aceita. Para o governo, a decisão traz imenso desconforto, mas o grande derrotado é o PT, que devia aproveitar o congresso partidário deste fim de semana para encarar essa ferida, que vem anestesiando com evasivas.

Ao aceitar a denúncia do procurador-geral Antonio Fernando contra os três, o tribunal entendeu haver indícios ou provas suficientes de que corromperam parlamentares, ou pelo menos os dirigentes partidários que receberam dinheiro do valerioduto, para garantir apoio político ao governo. Ou, posto da forma mais clara, teriam praticado o mensalão. Sobra uma parte dessa condenação para o governo, pois, afinal, Dirceu era o chefe de gabinete e coordenador político de Lula. Ele organizou e geriu a base parlamentar. Mas Lula, afora o desconforto já confessado com o julgamento, talvez não tenha muito a lamentar pela aceitação da denúncia contra Dirceu. Inocentado, ele deflagraria logo a campanha para ser anistiado, e anistiado iria querer voltar a mandar no partido e talvez até retornar ao governo.

O grande derrotado é o PT, que agora perde argumentos para travar o combate político na rua, e não tem mais desculpa para não enfrentar internamente a discussão do que houve. No congresso deste fim de semana, que tem a organização partidária como um ponto da pauta, devia o partido enfrentar esta sua ferida: política, moral e narcísica. Narcísica porque feriu a auto-imagem, o que era a razão de maior orgulho para os petistas, o primado ético. Para curá-la, é preciso encará-la, usar antígenos, se preciso dolorosos.

Na semana passada, conversando sobre o julgamento e recordando o escândalo, o governador petista Jaques Wagner (BA) disse ao colega Marcelo Déda (SE): "Serviu para a população saber que o PT não era aquela Brastemp toda". Ao que o outro respondeu: "É verdade, mas a população também não quis voltar a lavar no tanquinho".

Uma referência à reeleição de Lula e à boa votação do PT, apesar de tudo, na eleição do ano passado. Mas as razões para o voto em Lula foram diferentes das razões para o voto no PT. Lula foi reeleito pelas qualidades de seu governo, sobretudo econômicas. O voto no PT pode ter sido dado, em grande parte, como um crédito de confiança, num momento em que eram difusos ainda o limite entre a verdade e a fúria acusatória dos adversários e sua reverberação na mídia. A condenação dos antigos dirigentes, à exceção de Sílvio Pereira (embora já tenha sido publicamente condenado pelo caso Land Rover), pode mudar essas percepções. Pode alterar a complacência dos eleitores para com o PT.

Saúde: acordar mais cedo

Desta vez, diante dos problemas agudos do sistema de saúde no Nordeste, o governo tenta evitar a síndrome que o acomete quando é surpreendido por inesperada adversidade: a perda do sentido de urgência. Na sexta-feira passada, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, levou um aviso grave ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, que hoje na reunião da coordenação de governo acertou a liberação imediata de R$2 bilhões para enfrentar a emergência. Mas a situação da saúde cobra mudanças estruturais, tanto na gestão como no financiamento.

A mudança gerencial não acontece da noite para o dia, e a do financiamento exige a regulamentação da emenda 29, que fixa os aportes de cada ente federativo: a União deve corrigir o Orçamento do ano anterior e acrescentar-lhe a variação do PIB, ficando os estados obrigados a investir 12% das receitas correntes, e os municípios, 15%. Não havendo definição legal sobre o que seja gasto com saúde, estados e municípios incluem na prestação de contas gastos diversos, com cesta básica e saneamento, por exemplo.

Mas agora há uma calamidade do Nordeste, onde pessoas morreram por conta dos caos instalado na rede pública pelas greves ou demissões em massa de médicos.

Os R$2 bilhões serão destinados, em parte, à correção dos valores pagos aos médicos pelos procedimentos realizados. O caso do Nordeste tem particularidades, diz o ministro: ali, 90% das pessoas dependem da rede pública. Isso torna os médicos dependentes do setor público como empregador, e os salários médios são de R$1.200, havendo lugares em que é de R$750. De fato, inconcebível para um profissional que investiu de seis a oito anos na própria formação.

- Enfrentamos uma crise de gestão grave, lá e em todo o país, mas temos de enfrentar o problema do subfinanciamento da saúde - diz o ministro.

Falar em subfinanciamento para uma pasta que tem este ano um orçamento de R$40 bilhões é heresia, para muita gente. Para Temporão, é simples demonstrar que o Brasil ainda gasta pouco. Na rede pública, o gasto per capita é da ordem de R$ 420 (metade do gasto per capita argentino, por exemplo). Já os planos de saúde gastam cerca de R$40 bilhões para atender 40 milhões de pessoas: gasto per capita de R$1 mil.

DIANTE das divergências entre instituições de defesa dos direitos dos portadores de necessidades especiais, e empenhado em assegurar e ampliar as conquistas destes milhões de brasileiros, o deputado Miro Teixeira está requerendo uma comissão geral (aquele debate do plenário com participação de convidados) para discutir o Estatuto do Deficiente, que em breve deve ir a votação.