Título: 'Bolsas não são só para a elite'
Autor: Cotta, Sueli e Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 17/08/2007, O País, p. 12

Professor da UFRJ morou em favela e estudou na rede pública.

Ele saiu do interior do Ceará para uma favela do Rio de Janeiro, de pau-de-arara, estudou em colégios públicos, formou-se em biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fez doutorado na Alemanha. Aos 56 anos, Francisco de Assis Esteves, professor de ecologia da UFRJ, faz questão de contar sua história para mostrar que não é só a elite, como disse o presidente Lula, que sai do país com bolsas de estudo para estudar no exterior:

- A declaração do presidente não faz sentido porque essas bolsas não são dadas só para a elite. Eu sou um exemplo, vim da classe baixa. Sou órfão de pai, tenho 13 irmãos, e vim de Cascavel, no interior do Ceará, para morar numa favela do Rio. Comi a primeira maçã só aos 18 anos. Fiz muita xepa em feira. Estudei à noite, trabalhava de dia. Estudei em colégio público, e consegui passar para a UFRJ. Fiquei seis anos estudando na Alemanha. De volta ao Brasil, criei cursos de pós-graduação em ecologia no país, criei um parque nacional e fundei um instituto de ecologia em Macaé. Isso quer dizer que o investimento na minha formação teve retorno para o país. Isso aconteceu em várias áreas, como farmacologia, medicina, eletrônica.

O professor considerou a declaração de Lula um equívoco, já que, segundo ele, o próprio Ministério da Educação tem estudos que mostram que os bolsistas, em sua maior parte, vêm das classes média e baixa: - Os ricos vão atuar nos empreendimentos da família. O pobre, como eu era, se agarra nas oportunidades. O presidente foi infeliz, coitado. Quando a gente fala de improviso, a gente erra muito.

Para o professor, que criou o Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental da UFRJ em Macaé, não há dúvidas de que o país, se quiser avançar no desenvolvimento, precisa investir em conhecimento e formação de seus melhores quadros.

- Dar bolsas de estudo a pesquisadores é um dos maiores investimentos do país, e isso já está provado. Hoje, exportamos tecnologia que foi gerada, na maioria esmagadora dos casos, por brasileiros que estudaram no exterior, mantidos pelo governo. Por que o Brasil tem auto-suficiência em petróleo? Porque muitos engenheiros brasileiros voltaram com doutorado do exterior e contribuíram para a indústria petrolífera. Os países mais adiantados vivem do conhecimento. O país que não investe está fadado a ser miserável.