Título: Violência muda rotina da maioria dos brasileiros
Autor: Weber, Demétrio e Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 19/08/2007, O País, p. 10

Pesquisa do Ibope mostra que três em cada quatro moradores das capitais não se sente seguro onde vive.

BRASÍLIA e SÃO PAULO. A violência muda hábitos da maioria dos brasileiros. Andar de carro com os vidros fechados é parte da rotina de 61% da população, enquanto 58% não deixam os filhos saírem sozinhos à noite e 53% evitam caminhar nas ruas do próprio bairro depois que escurece. Outros 18% admitem encomendar comida por telefone para evitar o risco de sair de casa. É o que revela pesquisa do Ibope, realizada por telefone fixo, com 1.400 pessoas acima de 16 anos, em todo o país, entre os dias 7 e 9 de agosto.

Nas capitais, três em cada quatro moradores - 76% - consideram insegura a cidade onde vivem. Quase a metade - 46% - diz que já teve vontade de mudar de casa por causa da falta de segurança. A pesquisa foi feita para a agência Nova S/B Comunicação. A margem de erro é de três pontos percentuais.

- A insegurança faz com que as pessoas limitem horários, áreas e atividades. O habitat urbano muda em função disso. As pessoas começam a viver em condomínios fechados, com seguranças, grades. O medo da violência tem custos econômico e social muito altos, em termos de qualidade de vida - diz o sociólogo Ignácio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Sinal vermelho e filmes alugados

Os pesquisadores pediram aos entrevistados que indicassem quais atitudes tomam para enfrentar a violência, numa uma lista de nove opções. As pesquisa constatou que 36% - o percentual é o mesmo entre homens e mulheres - já adotam cinco ou mais dessas atitudes, que podem ser entendidas como mudanças de hábitos. Outros 29% assinalaram três ou quatro opções, como deixar de visitar vizinhos e amigos à noite, alugar filmes na locadora por medo de ir ao cinema e avançar o sinal vermelho.

- Tenho a paranóia do sinal vermelho na madrugada. Atravesso com cautela, mas não tem quem me faça ficar parada, como se estivesse esperando algo ruim acontecer - diz a empresária Cecília Arruda Botelho, que, depois de assaltada três vezes, não esconde outro medo:

- Entrar num caixa eletrônico à noite, sozinha, é pedir para ser assaltada. Nunca faço isso.

Embora a sensação de insegurança seja maior nas capitais, o quadro não é muito diferente na média nacional. Para 61%, a cidade onde moram não é segura, enquanto 33% admitiram a vontade de mudar de endereço para fugir da violência. A sensação de insegurança é menor no interior, onde 46% dos moradores consideram a sua cidade segura e 54%, insegura.

- Adoro filmes novos, vejo quatro ou cinco por semana. Mas, para ir ao cinema hoje em dia, você tem que enfrentar riscos que, dentro de casa, podem ser evitados - diz Rosa Maria Fornazari Ortona, que na sexta-feira alugava filmes ao lado de sua casa, em São Paulo, para não ter de sair.

O Ibope abordou um tema controverso: é a violência que vem aumentando ou são os meios de comunicação que passaram a dar mais destaque ao assunto? Para a maioria - 79% -, o que cresceu foi a violência, enquanto 19% disseram que, na verdade, o assunto ganhou mais espaço na mídia.

A idéia de que a violência avança aparece em outro ponto da pesquisa. Indagados sobre a situação nos últimos dois anos, 49% dos entrevistados disseram que a falta de segurança aumentou. Os índices mais altos apareceram entre as mulheres, entre quem tem de 30 a 49 anos, diploma de nível superior, vive na Região Sul e tem maior poder aquisitivo. Para 28% dos entrevistados, porém, a realidade permanece igual, enquanto 21% responderam que houve algum tipo de melhora.

- O Estado não está conseguindo fornecer segurança ao cidadão. É um alarme para a gravidade do quadro, sobretudo nas metrópoles - diz Cano.

O empresário Pedro Paulo Martins decidiu nove anos atrás que nunca mais dirigiria em São Paulo um carro que não fosse blindado. Desembolsou recentemente cerca de R$46 mil para blindar o seu Honda Civic:

- A sensação de segurança é infinitamente maior num carro blindado, mas mesmo assim não paro em sinal vermelho de madrugada. De dia, não fico encostado em outro carro e procuro ficar numa rota de fuga.

O gerente de Projetos do Ibope, Maurício Garcia, esclarece que a pesquisa feita por telefone fixo exclui parte da população, especialmente a parcela mais pobre, que não tem acesso a esse serviço. Garcia diz que os dados são ponderados para compensar a deficiência.