Título: Nada que justifique revisão do crescimento
Autor: Barbosa, Flávia e Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 19/08/2007, Economia, p. 45

Para o presidente do BC, Brasil tem fundamentos que permitirão resistir à atual crise nos mercados internacionais.

BRASÍLIA. Os solavancos nos mercados globais da semana passada não são suficientes para mudar as previsões de crescimento do Brasil este ano, na avaliação do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Por enquanto, a aposta é uma expansão de 4,7%, ancorada no mercado doméstico. Meirelles - que vem acompanhando com lupa o movimento dos investidores e conversou com o GLOBO na noite de sexta-feira - afirma que ainda pode haver novos soluços. Ele reconhece que, se os EUA desacelerarem, haverá reflexos no mundo todo. Mas o Brasil, em sua opinião, não tem o que temer: " O fato concreto é que o Brasil está extremamente bem posicionado para enfrentar essa situação".

Flávia Barbosa e Patrícia Duarte

Na quinta-feira, os mercados passaram por forte turbulência, mas sexta o dia foi mais tranqüilo. O pior já passou?

HENRIQUE MEIRELLES: De um lado, uma fase da turbulência de fato aparentemente foi concluída, mas podemos ainda ter alguns repiques de volatilidade. A decisão do Fed (banco central americano, de diminuir a taxa de juros de redesconto) foi importante. No primeiro movimento do BC europeu (semana retrasada), foi providenciada liquidez para os Fed funds (montante que os bancos comerciais depositam no BC americano), mas restava muita dúvida do empoçamento dessa liquidez nos mercados, e algumas instituições não estavam tendo acesso a ela. Isso levantava a possibilidade de um credit crash. O Fed, no movimento de sexta-feira, visou a diminuir as chances de um credit crash, fazendo com que a liquidez pudesse ser melhor distribuída. Num primeiro momento, os mercados reagiram muito bem. Aumentou a perspectiva de que haverá um processo de ajuste (dos ativos financeiros) ordenado. Mas está em andamento, é um pouco prematuro dizer que o problema foi superado.

A ação do Fed foi encarada por alguns analistas como sinal de que a situação é pior do que se imagina. Estão sendo pessimistas?

MEIRELLES: Para mim, não parece surpresa que havia problemas localizados de liquidez. A ação do Fed me parece uma atitude adequada, e os resultados, num primeiro momento, positivos.

O que pode surgir no horizonte e voltar a perturbar o mercado?

MEIRELLES: Em primeiro lugar, aspectos pontuais, instituições com problemas, com posições em ativos que estão perdendo valor. Outra coisa, instituições inclusive não-americanas que tenham exposições em papéis e que possam mover processo agressivo de venda de determinados papéis. Mas tudo isso é pontual. Outro aspecto, aí macro, é a correção no mercado imobiliário americano começar a atingir o consumo dos EUA e levar a uma diminuição maior do que se esperava da atividade econômica, com conseqüência no resto do mundo.

A confiança do consumidor dos EUA já caiu muito. Sinal de que o processo de contaminação começou?

MEIRELLES: É um ponto de alerta.

O Brasil consegue enfrentar essa crise? Como?

MEIRELLES: É importante mencionar o compromisso com a estabilidade de preços e econômica e o bom funcionamento dos mercados. Isso adiciona previsibilidade à economia, investimentos. À medida que estabilidade e inflação sob controle elevam o poder de compra do trabalhador brasileiro, com aumento de emprego e da renda, juntamente com expansão do crédito, gera aumento da demanda interna, que faz com que o Brasil fique menos dependente da demanda externa para continuar crescendo. Na área financeira, temos dois fatores estabilizadores importantes: as reservas acumuladas, de cerca de US$160 bilhões, e o fato de hoje o governo ser credor líquido em dólares, o que faz com que uma depreciação do real leve a uma diminuição da dívida pública. Todo esse conjunto de fatores faz com que o Brasil tenha melhores condições de manter o funcionamento normal dos mercados e da atividade econômica, independentemente da maior aversão a risco.

O Brasil, então, está realmente blindado?

MEIRELLES: Evidentemente que nenhum país é imune à crise. Se a economia americana diminuir seu ritmo de atividade, entrar em recessão, isso vai atingir o mundo inteiro e, certamente, o Brasil, mas numa escala menor do que seria no passado e para outros países. Outro fator importante é que o Brasil tem uma pauta diversificada de exportações, de maneira que é menos dependente das exportações para os EUA.

O custo para o Brasil, nessa turbulência, será a queda nos preços das commodities agrícolas?

MEIRELLES: É uma possibilidade, mas é importante ter em mente que a economia mundial está menos dependente da americana. Temos hoje outro motor importante, que é a China. A Europa também vai bem, com a economia bastante dinâmica, particularmente a Alemanha. O efeito da desaceleração americana na economia mundial tende a ser menos pronunciado.

Então, apesar de toda essa crise, a expansão do Brasil não está ameaçada?

MEIRELLES: Não há nada, no momento, que justifique uma conclusão de que deveria haver uma revisão importante das expectativas de crescimento do Brasil este ano (o BC estima 4,7%). Isso não quer dizer, evidentemente, que não possa haver desdobramentos (da crise). O fato concreto é que o Brasil está extremamente bem posicionado para enfrentar essa situação.

Esta semana, o BC não fez leilões de compra de dólares, o que não acontecia há meses. Qual o recado da instituição ao mercado?

MEIRELLES: Quando o BC anunciou sua política de constituição de reservas, no início de 2004, também anunciou duas medidas. Uma, de compra de moeda no mercado spot (à vista), visando a constituir reservas. Outra, a diminuição da exposição cambial da República. Foram dois movimentos com finalidade de aumentar a resistência do país a crises, à volatilidade, e aumentar a estabilidade e a previsibilidade. Isso está mostrando agora o seu valor. Falamos que não tínhamos meta de câmbio ou por finalidade adicionar desnecessária volatilidade no mercado. Compraríamos (dólares) quando julgássemos adequado, são decisões que tomamos no dia-a-dia. Certamente estamos monitorando os mercados e estamos em cooperação bastante produtiva com os demais bancos centrais.

A cotação do dólar subiu fortemente, ultrapassando os R$2. Já se configura risco inflacionário?

MEIRELLES: O BC, no regime de meta de inflação, analisa em cada reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) uma série grande de dados e, a partir daí, faz suas projeções de inflação. Em resumo, não tomamos decisão em cima de um ou outro fator. O BC vai se reunir (em 4 e 5 de setembro), ver os dados daquele momento e decidir (o rumo dos juros).

Nosso sistema financeiro está seguro? E nossos fundos de investimentos?

MEIRELLES: Devemos diferenciar o sistema financeiro e os fundos. Os fundos, certamente, são ativos de risco, cuja própria natureza e proposta estratégica é assumir riscos. Os investidores estão preparados para assumir esses riscos. O sistema financeiro está, sim, sujeito a todas as regras prudenciais visando a proteger os pequenos depositantes e a economia como um todo. Não temos indicação de exposição do sistema financeiro diretamente nos mercados subprime (de hipotecas de alto risco) americano. Mas certamente estamos monitorando isso com toda a atenção.

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