Título: 'O Brasil está mais bem preparado para enfrentar choques externos'
Autor: Rosa, Bruno e Sampaio, Nadja
Fonte: O Globo, 20/08/2007, Economia, p. 16

O matemático e economista Aloísio Araújo não acredita que a crise iniciada no mercado de hipotecas dos Estados Unidos possa prejudicar o crescimento mundial. Araújo, que é professor da Fundação Getulio Vargas e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), avalia que a esta foi a primeira crise de um novo modelo de regulação dos mercados financeiros e que o Brasil está mais preparado para enfrentar choques externos.

Luciana Rodrigues

A atual turbulência nas bolsas é uma crise financeira ou já ganha contornos de crise econômica que possa afetar o crescimento mundial?

ALOÍSIO ARAÚJO: Não sou tão pessimista. Essa crise é circunscrita aos mercados financeiros. Houve uma grande mudança de regulação. No passado, as empresas americanas de financiamento imobiliário tinham depositantes de curto prazo e emprestavam a longo prazo. Quando os juros caíram, perderam depositantes e houve um descasamento. Isso provocou uma crise nessas instituições, chamadas de Savings and Loans, na década de 70. Desde então, a regulamentação se sofisticou muito.

Como esse mercado funciona hoje?

ARAÚJO: Houve uma evolução do sistema financeiro. Hoje, as empresas que emprestam a longo prazo fazem um pacote, uma espécie de cesta de hipotecas, e vendem isso a terceiros, diluindo o risco entre vários tomadores. Essa é a primeira crise dentro desse novo modelo regulatório. O problema é que, no passado, a supervisão deste mercado era feita, principalmente, pelo Fed (Federal Reserve, o banco central americano), era uma regulação tipicamente bancária. Hoje esses ativos estão em fundos de investimento, que são regulados pela SEC (Securities and Exchange Comission, a equivalente americana à nossa Comissão de Valores Mobiliários). E a SEC não está tão aparelhada.

As agências de classificação de risco são bem equipadas para avaliar esses ativos?

ARAÚJO: As agências deram nota boa demais porque acharam que, num momento de crise, os fundos conseguiriam se livrar dos papéis ruins e preservariam os bons. Mas elas erraram porque não havia liquidez para isso. A lição é que é preciso aprimorar a regulação. Os bancos centrais já entenderam como lidar com crises sistêmicas e têm se mostrado competentes para evitar uma proliferação. Mas têm que deixar quebrar quem fez as apostas erradas, quem consultou agências erradas.

A crise no crédito americano pode ter reflexo nos financiamentos em outros países?

ARAÚJO: Houve excessos, mas acredito que será uma crise localizada. O crescimento do setor imobiliário foi muito grande, uma valorização excessiva no mundo inteiro. Agora isso será corrigido nos EUA. Talvez em alguns países europeus também haja correção.

Isso pode levar a uma desaceleração no crescimento mundial?

ARAÚJO: A parte real do mundo (ou seja, o nível de atividade econômica) está bem. Os EUA já estavam crescendo menos e talvez isso se intensifique agora. Mas hoje há outras fontes de crescimento. Há 10 anos, os EUA eram muito mais importantes para o mundo. Agora a Europa está num bom momento, o Japão já saiu de seus piores anos e há fatores novos, como a China e a Índia. De qualquer modo, temos que ficar atentos, porque em crises como a atual, ninguém tem um conhecimento perfeito.

O Brasil vai sofrer os efeitos do crescimento menor e da crise nos mercados?

ARAÚJO: Vamos sofrer os efeitos moderados que todos os países vão sofrer. Mas o Brasil está mais bem preparado para enfrentar choques externos. Hoje o câmbio é flexível. O país é credor líquido em dólar. Se houver uma desvalorização do real não teremos qualquer problema fiscal. Uma alta do dólar só poderia causar problemas de inflação, mas há uma folga para cumprir a meta de inflação. É a primeira crise que enfrentamos com reservas cambiais elevadas, uma novidade importante. É claro que não somos uma ilha. Não estamos completamente imunes. Os investidores podem se retrair, o risco-país subir. E um dólar mais alto é positivo, porque o real estava muito depreciado.