Título: Crescimento ameaçado
Autor: Rosa, Bruno e Sampaio, Nadja
Fonte: O Globo, 20/08/2007, Economia, p. 16

Com crise imobiliária, EUA teriam avanço menor, atingindo América Latina e mundo.

Aatual crise no mercado de hipotecas de alto risco (as chamadas subprime) dos Estados Unidos já é suficiente para reduzir a velocidade da maior locomotiva do mundo. De acordo com projeções da UBS Wealth Management, a economia americana deve crescer 2% este ano, contra uma previsão anterior de 3%. A Economist Intelligence Unit (EIU), braço de análise da "Economist" acrescenta: o setor imobiliário pode levar a um problema global mais grave do que foi verificado no início dos anos 1990, quando estourou a bolha da internet.

Na América Latina, a taxa de crescimento seria reduzida entre 1 e 1,5 ponto percentual, ficando entre 2% e 3% em 2008. O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Cláudio Considera acredita que a crise poderá afetar o Brasil na economia real.

Exportação do Brasil pode ser reduzida

As projeções se tornam cada vez mais reais quando se olha para o setor imobiliário americano, que responde por 25% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos em um ano). Os preços das casas recuaram 2,2% no último ano. Em junho, as vendas atingiram seu valor mais baixo desde março de 1999. Os números refletem o aumento dos juros básicos americanos nos últimos anos - hoje, em 5,25% ao ano -, que impossibilitou os pagamentos dos financiamentos dos imóveis. E o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) já avisou que está preocupado com um menor crescimento.

Segundo Paulo Tenani, chefe de pesquisa para a América Latina do UBS Wealth Management, a economia americana já vive uma forte desaceleração. Até agora, no entanto, diz Tenani, a autoridade monetária dos EUA vem "assoprando a ferida" com injeção de dinheiro no mercado:

- Os Estados Unidos vão desacelerar e crescer 2% este ano e em 2008. Antes, a previsão era de 3%. Há alguns anos, o país crescia 4,5%. O Fed pode fazer muito pouco porque qualquer coisa pode atrapalhar. Se elevar os juros, pode causar recessão. Se derrubar, pode criar uma bolha. Essa crise no crédito está chegando ao fim. Agora, os resultados vão mostrar as perdas para o setor privado - diz Tenani.

Ao mesmo tempo que as perdas globais são contabilizadas, os países mais afetados da América Latina, segundo a UBS, foram Argentina e Venezuela, além da Turquia, na Ásia - que viram sua taxas de risco-país disparar. No Brasil, a crise vai depender dos juros básicos em queda e da recessão americana.

- Fizemos um estudo que, se o risco-Brasil ultrapassar os 270 pontos, o Banco Central terá de aumentar os juros. O Brasil é uma economia relativamente fechada. Há várias forças em jogo. De um lado, a desaceleração dos EUA. Do outro, a tendência de baixar os juros no Brasil. Vamos ver qual desses lados têm mais força. O Brasil deve crescer 4,75% este ano, abaixo dos 4,8% da América Latina. O dólar deve ficar em R$1,90 no fim do ano - diz Tenani.

Já Robert Wood, gerente de risco soberano da EIU, da "Economist", em Nova York, lembra que as principais agências de classificação de risco do mundo, incluindo a EIU, estão acompanhando como o Brasil é afetado pelos ajustes da economia mundial. O objetivo, ressalta, é conceder o esperado investment grade (grau de investimento, que avaliza o país como seguro para aplicações):

- Os investidores que saíram do país tiveram de liquidar suas posições em ativos de maior risco. Só os especuladores deixaram o Brasil. De qualquer forma, acho que o investment grade não viria para o Brasil até 2008. Se virar uma crise global, acho que os indicadores externos do Brasil ficarão muito afetados.

O especialista alerta que o crescimento latino-americano vai depender da severidade da crise, e pode trazer um avanço bem menor que os 4% esperados hoje para os próximos anos. E continua: haverá mais volatilidade nas próximas semanas, pois os investidores estão assustados depois de cinco anos acumulando ganhos.

- Os países emergentes estão melhores que há alguns anos, já que acumularam reservas internacionais e políticas para controlar a inflação. Mas, mesmo assim, podem ser afetados. A recessão americana poderá derrubar os preços das commodities, que têm beneficiado nações como Brasil, Argentina, Chile e Peru. Isso poderia diminuir a demanda global, afetando as exportações tanto da Ásia quanto da América Latina. Assim, haveria um custo no financiamento, o que aumentaria a pressão sobre as finanças públicas - diz Wood.

País sentirá efeitos no ano que vem

O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Cláudio Considera acha que as pessoas estão muito otimistas quando dizem que o Brasil não será afetado por esta crise. Para ele, as conseqüências poderão ser sentidas na economia real e na taxa de inflação. Considera avalia que o Brasil não está blindado, mas acredita que a economia real sentirá mais efeitos no próximo ano. O quarto trimestre deste ano fechará com o crescimento esperado:

- O Fed não vai injetar dinheiro na economia americana indefinidamente, e as pessoas continuarão a não pagar suas hipotecas. Isso significa menos emprego, menos consumo interno e, portanto, menos importação. Se Estados Unidos comprarem menos da China, a China também diminuirá suas compras do Brasil. Internamente, caso o dólar se valorize muito perante o real, o Banco Central terá que aumentar juros para evitar contaminação na inflação.