Título: Medo, risco de doenças e revolta
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 20/08/2007, O Mundo, p. 21

Governo peruano é criticado por não facilitar envio de ajuda às regiões mais atingidas.

Apedido do presidente do Peru, Alan García, navios, aviões e caminhões carregados com ajuda humanitária não param de chegar ao país. No Aeroporto de Pisco, uma das cidades mais atingidas pelo terremoto que matou mais de 500 pessoas na quarta-feira, os hangares estão lotados de mantimentos, cobertores e roupas, mas a grande maioria das vítimas ainda sofre com a falta de água, comida, remédios e abrigo. A falta de coordenação logística e a dificuldade de acesso dificultam a distribuição da ajuda humanitária.

- Falta uma coordenação para as dezenas ou centenas de organizações governamentais e privadas que vieram a Pisco - disse o gerente (equivalente a secretário) de Participação Comunitária de Lima, Francisco Gavídea, que veio da capital para coordenar pessoalmente a ajuda às vítimas na zona do terremoto.

O atendimento às áreas rurais é a prioridade de organismos internacionais com experiência em catástrofes.

- Precisamos chegar às pessoas que estão fora do circuito da praça central (onde se concentra a ajuda oficial) - disse a porta-voz da Cruz Vermelha no Peru, Suzana Arroyo.

No entanto, nas regiões periféricas das cidades atingidas, a situação piorou nos últimos dias. Além da fome e do medo, aumentou o risco de doenças, sobretudo para as crianças. Muitos moradores da zona rural foram para a beira das estradas pedir comida aos motoristas. Na vila de Pampa de Ocas, a dez quilômetros de Pisco, cerca de 100 famílias ainda dormem ao relento.

- Não recebemos nada até agora. Nem uma gota de água - disse Sonia Lívia Soares, de 28 anos.

Como não há leite no vilarejo, as mães de crianças mais novas amamentam os filhos dos vizinhos.

- Só hoje amamentei quatro crianças. Minha filha de 4 meses e outras três - disse Sonia, com a filha Fernanda nos braços.

Economia não deve sofrer tanto

A falta de um cadastro dos desabrigados faz com que algumas pessoas recebam mais mantimentos e outras fiquem sem nada.

- Tem gente que mora aqui perto que entra quatro, cinco vezes na fila. Quando chega a nossa vez não tem mais nada - acusou a dona-de-casa Cláudia Prada.

Instalado em Pisco desde sexta-feira, García parece estar alheio à realidade da tragédia.

- O Peru é um grande produtor de queijos. Podemos comprar o queijo produzido aqui mesmo, que é de alto valor alimentar, e com isso ajudar aos necessitados e também aos produtores locais- disse o presidente.

Voluntários vindos de várias partes do mundo aguardam a orientação do governo para começarem a trabalhar. É o caso do grupo de 50 espanhóis do Serviço de Urgência Médica de Madri que aguardava ontem, em uma tenda em Pisco, uma orientação para começar a trabalhar.

- Esperamos uma ordem das autoridades locais - disse o médico José Maria Navalpotro.

Com experiência no auxílio a vítimas de terremotos em vários países, Navalpotro teme que a falta de condições mínimas de higiene leve à proliferação de doenças. Moradores da cidade usam máscaras cirúrgicas para evitar contaminação. O cheiro de carne apodrecida tomou conta da cidade, pois muitos corpos continuam soterrados. No hotel Embassy, um edifício de cinco andares reduzido a dois pisos, estima-se que ainda haja 20 pessoas.

- Não podemos retirar os corpos. Há risco de o resto do prédio desmoronar - disse um bombeiro.

Um tremor de 5,7 graus na escala Richter derrubou ontem uma parede, matando um menino de 12 anos.

Apesar do envio de mais mil homens das Forças Armadas para a zona do terremoto, os saques continuam. Os abalos e a desinformação sobre a possibilidade de tsunamis ajudam a ação de saqueadores.

- Hoje (ontem) dois caminhões com mantimentos foram parados por homens armados - disse o voluntário espanhol Jesus Bardone.

Em San Andres, área portuária, delinqüentes têm espalhado falsos alarmes para invadirem as residências.

- Eles gritam "tsunami" e quando os moradores saem, invadem as casa -- disse o pescador Gustavo Prada.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, transmitiu ontem pessoalmente ao presidente do Peru em Pisco uma mensagem de solidariedade do presidente Lula. O Brasil anunciou que enviará ao Peru outro avião da FAB com 14 toneladas de medicamentos e purificadores de água, que poderão atender 36 mil pessoas durante um mês. A ajuda ao país é a maior já enviada pelo Brasil ao exterior, disse ontem o Itamaraty.

Segundo o Scotiabank, o terremoto terá um impacto grande nas atividades produtivas das regiões atingidas pelo terremoto, mas sem afetar as contas fiscais e a inflação. As áreas de Pisco, Chincha e Ica, onde predominam atividades pesqueira e agropecuária, serão afetadas. O relatório do banco, divulgado no fim de semana, afirma que essas atividades normalmente têm um impacto de 5% no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas produzidas no país) peruano, que cresceu 8% no ano passado.