Título: Mais pragmatismo no Mercosul
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Globo, 28/08/2007, Opinião, p. 7

O Mercosul está praticamente paralisado no que diz respeito às negociações comerciais externas. A agenda externa do Bloco se restringe hoje a negociações com Israel e países árabes do Golfo. O acordo com a União Européia está parado desde 2004, sem muita perspectiva de avanço efetivo.

A prioridade atribuída às negociações multilaterais da Rodada de Doha explica, em parte, a quase paralisia dos entendimentos mantidos pelo Mercosul. O reduzido número de acordos comerciais em negociação é resultado igualmente dos interesses conflitantes e da dificuldade de entendimento entre os quatro países membros.

Os países menores do Mercosul (Paraguai e Uruguai), em razão das frustrações relacionadas com os reduzidos ganhos do processo de integração e com as poucas perspectivas comerciais, apesar do crescimento das trocas internacionais, estão pressionando Brasil e Argentina para que seja permitida a flexibilização de alguns compromissos e instrumentos vigentes do Mercosul.

A aplicação flexível pedida pelo Uruguai nas negociações comerciais com países não-membros objetiva modificar a Resolução 32, de 2000, que proíbe a negociação dos membros do Mercosul de acordos que incluam preferências tarifárias com terceiros países ou agrupamento de países fora de nossa região.

A flexibilização que permite a negociação de acordos comerciais, por todos os países membros, de forma individual, pode ser feita por consenso no âmbito do Conselho do Mercosul, sem necessidade de modificar o Tratado de Assunção. Uma fórmula desse tipo atenderia aos países menores e seria uma solução mais aceitável. Contornaria a crescente pressão por parte do setor privado para que o Mercosul volte a ser uma área de livre comércio com a suspensão da TEC, o que implicaria a necessidade de modificar o Tratado de Assunção, com todos os custos políticos que isso acarretaria.

O Brasil resistiu à pressão uruguaia e paraguaia e abortou qualquer flexibilização da Resolução 32, com o argumento de que somente poderia haver concordância para a negociação individual caso o núcleo duro do Mercosul, isto é, a TEC, não fosse afetada. Felix Peña, que, pela Argentina, compartilhou comigo a responsabilidade da coordenação nacional do Mercosul, observou que, caso aprovada a flexibilização, as negociações comerciais extrazona poderiam evoluir, prevendo-se a inclusão de cláusulas de vasos comunicantes e de convergência dentro de um prazo determinado com os demais países do Mercosul. Implicaria, no âmbito do Mercosul, a flexibilização formal do instrumento da União Aduaneira, especialmente no que se refere à TEC. Essa flexibilização deveria se efetuar dentro dos limites - amplos - do artigo XXIV parágrafo 8º do GATT, o que permitiria abordar outras questões pendentes que ameaçam o processo negociador do Mercosul, tal como colocadas pelo Paraguai e Uruguai.

O governo brasileiro dá indicações de que, pós-Doha, pretende ampliar a rede de acordos bilaterais em negociação pelo Mercosul.

Caso persista a atual regra de negociação conjunta dos países-membros, é possível prever - pela impossibilidade de conciliar interesses ofensivos do Brasil para concluir acordos bilaterais com as posições defensivas de nossos parceiros - que dificilmente o Brasil conseguirá avançar seus interesses comerciais com a abertura de entendimentos na Ásia e em outros mercados dinâmicos.

Fatos novos justificam o reexame de compromissos anteriores.

O fracasso da Rodada de Doha torna imperativa a modificação da estratégia brasileira no tocante às negociações comerciais externas com vistas a avançar com os acordos bilaterais.

A proposta uruguaia e sua aplicação para todos os países do Mercosul deveria ser reexaminada já na próxima reunião do Conselho, em dezembro, e o Brasil deveria passar a apoiá-la, flexibilizando a Resolução 32.

A negociação de acordos bilaterais é suficientemente importante para justificar uma abertura do governo com vistas a discutir essa questão com o setor privado, sobretudo agora, diante da perspectiva da desaceleração das economias desenvolvidas e do crescimento do comércio mundial, em conseqüência da crise de crédito que vem dos EUA.

É o que aconselha a defesa pragmática do interesse nacional.

RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do estado de São Paulo (Fiesp).