Título: Nas ruas, gato por lebre
Autor: Padilha, José
Fonte: O Globo, 28/08/2007, Opinião, p. 7

A pirataria, termo popularmente usado para o roubo da propriedade intelectual alheia, vai de vento em popa no Brasil. Sei disso porque sou o diretor do filme "Tropa de elite", o mais novo "hit" desse mercado ilegal. Todavia, qualquer um pode comprovar este fato. Para isso, basta uma caminhada pela Rua Uruguaiana, no Centro do Rio, ou pela Vinte e Cinco de Março em São Paulo. Nesses, e em outros "pontos de venda", você encontrará, além do meu filme, softwares e discos dos mais variados tipos, ofertados a preço de banana. E verá que tudo isso - é claro - se passa nas barbas das autoridades policiais.

São dois os motivos que levam a este estado de coisas: em primeiro lugar, o ato da pirataria é muito simples. Softwares, músicas e filmes podem ser digitalizados e copiados em um instante, na segurança da casa de quem o faz. A pirataria raramente resulta em prisões em flagrante: ela virou um crime que compensa. Em segundo lugar, a passividade das autoridades gera a impressão de que o pirata é um criminoso menor. Quem vê um PM ou um guarda municipal conversando animadamente com um camelô de produtos piratas deve imaginar que não há nada de errado acontecendo ali. E, finalmente, há também o comprador. Mas este, quero crer, age sem pensar, ignorando a natureza do crime que comete.

A pirataria é um crime grave. Afinal, por trás de cada filme, música ou software pirateado está o trabalho de empresários e de trabalhadores que investiram o seu suor, o seu tempo e o seu dinheiro para criá-los. E que esperam, como qualquer trabalhador ou empresário, ser remunerados por isso. Além disso, nos crimes contra a propriedade intelectual está se roubando também o investimento que foi feito na educação de quem estudou para produzir bens desse tipo. Ao comprador de produtos piratas, portanto, quero lembrar que esses indivíduos têm família, e também precisam de suas rendas para sobreviver.

O caso "Tropa de elite" ensina bastante sobre a pirataria no Brasil. Isto porque a cópia pirata do filme que está sendo vendida por aí traz uma versão inacabada do mesmo. O verdadeiro "Tropa de elite" ainda não está pronto, e não está disponível ao público. Todavia, pode-se encontrar na imprensa e na internet comentários feitos por jornalistas e policiais a respeito do conteúdo do filme. Ora, cada comentário desses é uma confissão tácita da violação de direitos autorais e patrimoniais. Afinal, eles foram feitos por pessoas que viram o filme, e este só está disponível na sua versão pirata! É bem verdade que, cientes de seus crimes, esses senhores têm qualificado os seus comentários com frases do tipo: "Me contaram", "me foi dito", "consta que", e assim por diante. Isso pode até protegê-los juridicamente, mas o faz ao custo de revelar a sua hipocrisia.

Tenho lido também que a pirataria do meu filme é uma "brilhante" jogada de marketing. Será que alguém pode imaginar, em sã consciência, que eu, a minha empresa, a Universal Pictures, a Harvey Weinstein Co. e a Motion Pictures Association montamos uma farsa com o intuito de usurpar o resultado do nosso próprio trabalho? E que envolvemos nesta farsa os nossos advogados e as autoridades policiais a quem denunciamos o crime? Custo a crer. Mas, seja como for, acredito que a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial encontrará quem pirateou o meu filme, e confirmará assim o absurdo dessas alegações.

Não me orgulho do "sucesso" de vendas e de crítica da versão pirata do meu filme. Para mim, este "sucesso" demonstra apenas que uma parcela da população brasileira consome produtos piratas, e, assim fazendo, afeta negativamente indústrias importantes, promove a sonegação fiscal, e viola direitos patrimoniais e autorais. Como brasileiro, não posso me orgulhar de algo assim. Resta-me, entretanto, um consolo. Quem comprou a cópia pirata do meu filme levou gato por lebre. "Tropa de elite" só estará pronto e disponível em outubro, em um cinema perto de você.